AULA 06: O CÂNON DO NOVO TESTAMENTO – UMA INTRODUÇÃO
Rev. João Ricardo Ferreira de França.*
INTRODUÇÃO.
A nossa sociedade hoje já não
acredita na Bíblia como sendo a revelação de Deus aos homens. O que fazer
diante de tamanho ceticismo? O conhecer a Deus hoje por meio das Escrituras é
totalmente desclassificado e tido como algo ingênuo e antiquado para o homem da
pós-modernidade.
A erudição atual tem sugerido que a
Bíblia é um livro produzido para coibir a evolução intelectual dos homens, e
tornar o poder da Igreja absoluto aos elementos científicos da atualidade. Os
livros da Bíblia são visto como uma farsa sem precedentes e que os chamados
apócrifos foram os livros que a Igreja excluiu do Cânon porque tais livros
questionavam os dogmas da Igreja.
Estamos vivendo uma época de
apocrifamento dos livros canônicos e a canonização dos livros apócrifos – a
inversão de valores, tão comum em nossa época, chegou até a Bíblia. Isso é percebido
na mídia, radiofônica, televisiva e escrita. As escrituras são abertamente
atacadas, pois, a nossa cultura ocidental tem aberto espaço para a quebra de
absolutos; verdade e não-verdade são relativos. Depende de o leitor determinar
a sua própria verdade.
Ainda vivemos fortes incerteza
quanto a validade do Antigo Testamento, pois, existem grupos evangélicos que
defendem que o Antigo Testamento não é para hoje. O nosso trabalho visa
oferecer uma visão, ainda que de forma geral e concisa, do que entendemos por
Novo Testamento; e apresentamos como o “Cânon do Novo Testamento” foi formado,
mostrando que todas as conclusões modernas sobre esta questão estão
equivocadas; e, apresentamos como tudo foi processado.
Que
este trabalho ajude aqueles que desejam defender a Palavra de Deus como regra
canônica para a vida da Igreja de Cristo.
Teresina,
26 de fevereiro de 2014.
I – O CÂNON DO NOVO TESTAMENTO – DEFINIÇÃO.
Quando empreendemos um estudo
pormenorizado concernente ao cânon
sagrado, encontramos muitas dificuldades no que diz respeito às questões
textuais e históricas, e assim, começa uma tarefa laboriosa. O que é o Cânon do Novo Testamento? Esta é a pergunta
que é feita por todo aquele que busca
compreender mais a Palavra de Deus; e para se ter uma resposta é plausível se
faz necessário entendermos o uso desta palavra em nosso círculo teológico e
confessional.
Sabemos que há uma singularidade no
uso da palavra “Cânon” em relação ao Novo Testamento, isto porque o “Cânon” é
muito discutido na crítica moderna. Reconhecemos a grande dificuldade que
existe em tratar-se dessas questões. O nosso trabalho busca expor a importância
do “Cânon” para a nossa fé cristã. Nós iremos iniciar a nossa exposição
mostrando a origem da palavra “Cânon”, pois, é a partir da origem desta palavra
que teremos uma visão ampla do “Cânon”, pois, o uso filológico e semântico
desta palavra nos ajudará a compreender a formação na literatura secular, e por
último, analisaremos o uso desta palavra
na visão eclesiástica.
- A Origem da Palavra Cânon.
Qual é a
origem da palavra “Cânon”? Para compreendermos a formação canônica do Novo
Testamento, é necessário, compreendemos a origem da palavra “Cânon”. Essa
palavra traz um amplo significado em sua origem etimológica, mas no transcurso
dos tempos essa palavra foi tendo um sentido mais restrito; e, é neste aspecto
que nos deteremos no presente ponto.
“Etmologicamente,
kanw,n (Kanôn, Canôn) é o empréstimo semítico de uma
palavra que originalmente significativa ‘junco’ mas passou a significar ‘vara
de medir e, por conseguinte, ‘regra’ ou ‘padrão’ ou ‘norma’.”[1]
Este empréstimo
semítico tem a sua origem da palavra hebraica
“qâneh” (hn.Q;)) ,
algo muito interessante precisa ser observado, no que diz respeito a essa
palavra, é que no Antigo Testamento esta palavra ocorre 61 vezes sendo
empregado em seu sentido literal ( 1 Rs.14.15, Jó. 40.21; Is.36.6; 42.3;
Ez.40.3,5-7); também encontramos esta palavra “significando ‘cana’ (planta que
era usada medir e pautar), ‘balança’ (Is.46.6) e, também, “a cana para traçar cestos, ou bastão reto”;[2]
quando estudamos bem afundo esta palavra
chegamos à conclusão que a palavra “Cânon” tem uma significação singular.
A ideia
transmitida por essa palavra não é uma simples vara de medir algo, mas tem a ideia
de precisão, algo exato, algo que nada pode se acrescentar, o padrão a ser
seguido, a norma, a regra final. Esta palavra tem também a ideia de
centralização, como indicando que toda a atenção deve ser dada à obra escrita. A palavra “cânon” descreve um
senso de exatidão, de fixação e finalidade.
Em nosso
entendimento esta palavra descreve o valor que devemos dar à Escritura; esta
palavra descreve a questão da
suficiência da Bíblia, a palavra “cânon”
não permite acréscimo ao que está escrito. Quanto a essa verdade a Confissão de
Fé de Westminster diz: “... à Escritura nada se acrescentará em tempo algum,
nem por novas revelações do Espírito, nem por tradições dos homens”.[3]
Esta declaração dos teólogos de Westminster, está de comum acordo com o
significado da palavra “cânon” quando aplicado à Escritura Sagrada. É preciso
entender isso, pois, o cânon do Novo Testamento precisa ser encarado como sendo
uma regra, um padrão, uma norma autoritativa que a ele nada pode ser
acrescentado.
2. O Uso da
Palavra na Literatura Secular.
Passaremos
a considerar agora o uso da palavra “Cânon” na literatura secular. Esta palavra
kanw,n é suavemente usada desde os dias de Homero,
isto é, desde o século IX a.C; e isto , significando “qualquer coisa que pode
ser segurada contra uma outra coisa a fim de esticá-la, enrolá-la ou medi-la”.[4]
O nosso
interesse em mostrar a estrutura da palavra
“Cânon” na literatura secular, tem como objetivo mostrar o que o sentido
semântico desta palavra não mudou nos
transcursos dos anos, mas que foi apenas tomando formas mais específicas. Estas
formas específicas, foi se tornando mais estrita até chegar ao uso
neotestamentário do termo. E , assim, formar o Novo Testamento com a
valorização deste vocábulo.
Na
literatura secular essa palavra quando era aplicada à gramática, significativa
uma regra, regra como padrão absoluto para ser seguido; em outras
disciplinas a palavra “Cânon” tomou
conotações bem semelhantes à matemática, história e astronomia, tinha um
sentido de tabela, ou melhor, catalogação; à arte tinha um sentido de pauta, à
arquitetura, tinha o sentido de haste ou mastro. E na literatura e, se
considerada como disciplina, a palavra
tinha como significação a lista de obras
de um determinado autor. “Assim, o Cânon de Platão refere-se à lista de
tratados que podem ser atribuídos a
Platão como genuinamente de sua autoria”.[5]
Se
mergulharmos mais profundamente em busca do sentido da palavra “Cânon” iremos fazer um lista infindável de
conceitos, e este não é o nosso propósito; “Como podemos ver nestas breves considerações, a
palavra ‘Cânon’ foi usada em vários sentidos em diversas áreas, contudo,
preservou o conceito de ‘regra’, ‘padrão’, ‘tabela’ e ‘modelo’”.[6]
3. A Palavra
Cânon na Concepção Eclesiástica.
Depois
de tratarmos do uso da palavra “Cânon” na literatura secular, agora se veja o
uso desta palavra na visão eclesiástica;
ou seja, como a igreja contemplava e sempre entendeu a palavra “Cânon”? Esta é
a pergunta mais importante a ser respondida, é preciso dizer que a expressão
“visão eclesiástica” deve ser compreendida como a “visão religiosa cristã” da
palavra em questão.
3.1 – A
Palavra Cânon no Novo Testamento.
Iremos
considerar o uso desta palavra em todo o Novo Testamento, a palavra “Cânon”
ocorre quatro vezes em todo o Novo
Testamento. E é apenas encontrada nos escritos paulinos. Consideremos estes
textos:
Neste
trecho Paulo de Paulo nós encontramos a palavra “cânon”, no original grego, sendo usadas três vezes indicando “a sua regra de procedimento de não
trabalhar em campo alheio”.[7]A
Quarta vez em que a palavra “Cânon” é
aplicada é em Galátas 6.16, onde o apóstolo Paulo diz :
Aqui neste texto nós vemos
Paulo usando a palavra “Cânon” como significando “uma regra de vida”; é algo
indiscutível que a palavra deve-se ser
entendida como um padrão, como uma regra, como um modelo.
3.2 – A
Palavra Cânon nos Pais da Igreja.
Uma
abordagem que precisamos fazer é como os chamados pais da Igreja usaram o vocábulo “Cânon” em seus escritos,
isso nos ajudará a compreender a formação do Novo Testamento. Os pais
apostólicos têm uma grande importância para a nossa abordagem, pois, eles
viveram bem próximos aos apóstolos, e o uso que eles fizeram do termo nos
ajudarão em nossa visão sobre o “Cânon”.
Os
pais apostólicos usaram a palavra “Cânon” para significar uma regra de vida, e
isto diz respeito à santidade de vida da
Igreja em contraste com a forte onda de heresias existentes na época deles. O primeiro Pai da Igreja que
desejamos citar é o Clemente de Roma, ele viveu aproximadamente no ano 95 d.C,
e chegou a dizer: “prossigamos para a gloriosa e venerável regra (kanw,n) de nossa tradição”. Isto ele disse no que diz respeito a
alguns jovens que não estavam obedecendo a autoridade dos presbíteros da igreja
em Corinto.
Outro
Pai da Igreja foi o Clemente de Alexandria que viveu aproximadamente entre os
anos 150 – 215 d.C, ele chegou a dizer que a “harmonia entre o Antigo e o Novo
Testamentos é de um Cânon para a Igreja”.[8]
Temos
outro Pai da Igreja que se chama Irineu de Leão ele chega a chamar o credo como
sendo o “Cânon” da verdade que deve ser guardado no coração sem nenhuma
modificação. Outro grande líder da patrística é Policarpo que viveu
aproximadamente em 70 – 155 d.C chegou a referir-se ao evangelho como “O Cânon
da Fé”. Eusébio, outro Pai da Igreja, e historiador, chega a dizer que o
evangelho é o “Cânon da verdade”, “Cânon
da Igreja” e também o “Cânon São” da pregação do Salvador”.[9]
O
grande pregador João Crisóstomo[10]que
viveu em 354-407 fala da Bíblia como “exata balança (zugoj - zygos ), padrão (gnw,mwn - gnômôn)
e regra (kanw,n) de todas as coisas.”[11]
A
visão de que as Escrituras do Novo Testamento era uma regra ou um “Cânon” para
ser obedecido pode ser visto nas decisões dos Sínodos e Concílios da Igreja. Um
exemplo disso está no caso de Paulo de Samosata
que ensinava que Jesus era um mero homem e que se tornou o Cristo
mediante o batismo, porém, a Igreja no ano 268 d.C. condenou o seu ensino e
conduta sendo considerados como “uma apostasia do Cânon.”[12]
(aposta.j tou kanonoj – apostas tou kanonos)
descrevendo que Samosata havia se afastado da fé ortodoxa.
Como
pudemos ver o uso da palavra “Cânon” – na visão patrística – era uma palavra
que descrevia uma regra e um padrão ligados aos documentos religiosos da Igreja
Antiga. E de forma bem particular vemos a mesma significação sendo aplicada às
Escrituras.
3.3 – A
Palavra Cânon nos Escritos Sagrados.
Iremos
considerar agora, a palavra “Cânon” nos escritos sagrados, pois, o uso da
Palavra em tais escritos nos ajudará na
compreensão necessária concernente a esta questão fundamental. É bom salientar
, que os escritos sagrados devem ser entendidos como o reconhecimento dos
escritores sacros das obras sagradas do uso “peculiar” da palavra “Cânon” no
que concerne ao Novo Testamento conforme o temos hoje.
Comecemos
por Orígenes o qual viveu aproximadamente em 185 – 254 d.C. Ao que nos parece
ele foi o primeiro a empregar a palavra “Cânon” como um termo técnico aplicado à lista ou catálogo de livros
normativos para a fé e o ensino.
Sabemos
pela história da Igreja que o primeiro Pai da Igreja que o usou o termo “Cânon” para o Novo
Testamento foi o grande homem de Deus Atanásio que viveu entre 295-373 d.C. É
bom lembrar que quando Orígenes formou seu “Cânon” das Escrituras Sagradas,
seguiu alguns critérios, criados por ele, e que a maioria dos escritores
seguiram, tais critérios foram os seguintes:
a.
Livros Homologoúmenos:
São os livros classificados como “incontestáveis” na Igreja de Deus aqui na
terra. Neste grupo Orígenes incluiu os seguintes livros: Os evangelhos, as
treze epístolas de Paulo, 1 Pedro, 1 João, Atos dos Apóstolos e Apocalipse.
b.
Livro
Amphiballómenas: Conhecidos como escritos duvidosos e não aceitos em todas
as igrajas. Neste grupo Orígenes incluiu os seguintes livros: 2 Pedro, 2 e 3
João, Tiago, Judas e Hebreus.
c.
Livros
Pseudé: Os chamados livros que deveriam ser rejeitados como “falsificações
heréticas”. Neste grupo, obviamente distinto do Novo Testamento, ele incluiu os
seguintes: O Evangelho dos Egípicios, o
evangelho de Tomé, o Evanglho de Basilidas e de Matias.[13]
De modo semelhante o
historiador Eusébio nos anos de 260-340 d.C. apresentou a sua lista do que
julgava o ser o “Cânon” do Novo Testamento, e usou os mesmos critérios de
Orígenes, todavia, sugeriu que deveria fazer algumas diferenças quanto a lista
apresentada pelo seu amigo:
a.
Homologoúmena:
Aqui Eusébio classificou os quatro evangelhos, atos, quartoze epístolas
paulinas – isso porque colocava Hebreus nesta lista -, [14]1
João, 1 Pedro e Apocalipse.
b.
Antilegómena:
Estes são os livros que, segundo Eusébio, deveriam ser classificados como os
controvertidos – e muitos deles eram reconhecidos como autênticos pela maioria
dos cristãos; então, entre eles os seguintes: Tiago, Judas, 2 Pedro, 2 e 3
João. Todavia, ele criou dentro desta categoria sub-grupos:
1.
Nótha: Estes
são os livros conhecidos como espúrios e entre os tais encontram-se: Atos de
Paulo, Pastor Hermas, Apocalipse de Pedro, Carta de Barnabé, o Didaquê,
Apocalipse de João, Evangelho de Hebreus.
2.
Pseudonímia:
Os livros heréticos que deveriam ser rejeitados pela Igreja. Entre eles estão:
O Evangelho de Pedro, de Tomé, de Matias e Atos de André e de João. Segundo
Eusébio estes livros deveriam ser “considerados como absurdos e ímpios.[15]
E
tais livros jamais deveriam ser aceitos como “Canônicos”. Isso nos lembra que “Apesar da palavra “Cânon” ser usada
com certa frequência pelos Pais e Concílios da Igreja para referirem-se a sã doutrina, somente mais
de um século depois de Orígenes é que a palavra tornou-se comum para aludir aos
livros da Bíblia. O responsável poer este incremento foi Atanásio (295 –373
d.C), bispo de Alexandria (328-373), o qual na sua 39ª Carta Festiva, enviada
na Páscoa de 367 às igrejas de sua responsabilidade, empregou a expressão :
“livros incluídos no Cânon” e, igualmente, estabeleceu pela primeira vez uma
lista de 27 livros do Novo Testamento como temos hoje”.[16]
Esta declaração de Atanásio foi importante para o reconhecimento do
“Cânon” do Novo Testamento como o temos hoje.
II – A NECESSIDADE DO
RECONHECIMENTO CANÔNICO DOS ESCRITOS SAGRADOS DO NOVO TESTAMENTO.
Qual é a importância do
Cânon do Novo Testamento? Haveria alguma necessidade no que diz respeito a um
reconhecimento de algum Cânon para a Igreja? Que razões justificaria tal
empreendimento? Bem, sugerimos que há pelo menos duas razões para que houvesse,
por parte da Igreja, um reconhecimento de um padrão canônico no que toca ao
Novo Testamento.
1.
A Necessidade de se Preservar os Escritos da Corrupção.
È bom salientar que nos
primeiros séculos da Igreja cristã havia uma forte tendência de se adicionar
coisas não ditas por Cristo e seus apóstolos, o gnosticismo estava emergente no
primeiro momento na história da Igreja. O inimigo mais perigoso para a vida da
Igreja foi de fato o gnosticismo, este ensino era muito perigoso visto que a
maioria dos escritos do primeiro século eram de fato copiados à mão, e erros doutrinários
poderiam ser inseridos de forma não intencional como ser algo deliberadamente
intencional.
A
Igreja precisava de um corpo de doutrina definida e tendo um livro reconhecido
como canônica não correria tal risco de a doutrina ser corrompida, e assim,
seguramente poderia proclamar a fé. É notável como a nossa Confissão de Fé
reconhece isso de forma clara, afirmando que Deus decidiu escrever a sua
revelação com o propósito de preservar a mesma da corrupção[17]
que é promovida pela pecaminosidade humana, e pela malícia de satanás; esta
preservação gera conforto para a Igreja e a sua pregação.
2.
A Necessidade de Prevenir a Igreja do Erro.
No período pós-apostólico começou circular várias
obras literárias de ordem religiosa; essas obras faziam apologia às heresias
existentes no primeiro e segundo século da Igreja, dentro dessa tensão estavam os
cristãos sendo de alguma forma influenciados por tais ensinamentos, e por que
estavam sendo influenciados? A resposta é bem simples. Tais escritos circulavam
com os nomes dos apóstolos, mas eram de autoria pseudo-cristã ; então, tais
ensinos encontravam abrigo no seio da Igreja.
Podemos citar pelo alguns destes escritos que
circulavam nos meados do segundo século; entre, os tais citamos o Evangelho de
Pedro, vejam o que ele ensina:
Eu disse:
‘Que vejo, Senhor? É a ti mesmo que eles aprisionam, ainda que te estejas
entretendo comigo? Quem é aquele que, sereno e sorridente, se encontra sobre a
árvore? É outro aquele quem eles ferem as mãos e os pés? O Salvador respondeu-me:
‘Aquele que tu viste sereno e sorridente sobre a árvore, esse é o Jesus
em Vida. Mas aquele a quem traspassam mão e pés com pregos, essa é a sua parte corpórea, isto é, são mãos
com pregos, essa é a sua parte corpórea, isto é, o seu substituto exposto à
vergonha[18]
O texto é certamente gnóstico, e assim, valendo-se do
nome do Apóstolo Pedro, foi introduzido na Igreja trazendo grandes consequências para a Igreja;
ou seja, erros doutrinários estavam sendo inseridos dentro do contexto de ser
Igreja. Então, era necessário o estabelecimento do “Cânon”.
Tendo um “Cânon” a Igreja teria uma fonte de doutrina
pura e segura de onde se poderiam extrair as suas homílias, bem como avaliar
aqueles que se colocavam a frente do povo para pastorear.
III –
CRITÉRIOS PARA O RECONHECIMENTO DO CÂNON DO NOVO TESTAMENTO.
Se havia uma necessidade para o estabelecimento do
“Cânon”, então, a Igreja formou o “Cânon” de forma autoritária e arbitrária? A
resposta é um ressonante não! Esta concepção é absorvida por pura ignorância da história eclesiástica.
A Igreja não estabeleceu o valor
canônico dos livros do Novo Testamento. A Igreja não determinou o que era ou
não Palavra de Deus para fazer parte do “Cânon”.
Então o que aconteceu? A Igreja humildemente reconheceu,
note o que estamos falando, a Igreja reconheceu os livros canônicos; mas como a
Igreja pode reconhecer isso, quais foram os critérios empregados para tal
empreendimento? O dr. F.F.Bruce nos oferece uma grande explicação desta
temática quando diz:
Uma coisa precisa ser afirmada com toda ênfase: O livros do
Novo Testamento não se fizeram possuídos
de autoridade pelo fato de virem a ser formalmente incluídos em uma lista
canônica; pelo contrário, a igreja incluiu-os no cânon porque já os havia por
divinamente inspirados, reconhecendo-lhes o valor inato e autoridade
apostólica., direta ou indiretamente. Os primeiros Concílios eclesiásticos a
classificar os livros canônicos se realizaram ambos na África do Norte – em
Hipona Régia, em 393; em Cartago no ano 397 – mas a ação destes Concílios de modo algum representa a imposição de
algo de novo às existentes comunidades
cristãs, pelo contrário, simples codificação do que já era a prática geral ,
corrente nessas comunidades.[19]
Esta declaração de F.F.Bruce descreve adequadamente
aquilo que realmente aconteceu para a formação do “Cânon” do Novo Testamento.
Mas a questão é : Como isso aconteceu? Quais os critérios foram usados para a
formação do “Cânon”? Será que a Igreja não foi tendenciosa na formação do texto
que temos hoje? A escolha dos livros que iriam ou não fazer parte da coleção
não foi arbitrária? Vejamos:
1.
O Critério da Apostolicidade do Livro.
A questão que se suscita é como saber se um livro
era canônico ou não? Esta era um pergunta que precisava de uma resposta urgente
da Igreja. A resposta oferecida pela Igreja era a identidade apostólica em
relação a tal livro.
Broadus nos
diz que
“Jesus
escolhera doze homens para estarem com
ele e serem os seus intérpretes após a sua ascensão. Esses homens deveriam ser os
responsáveis pela instrução de novos discípulos. Seu testemunho deveria ser
aceito pela igreja como possuindo a autoridade do próprio Jesus.
Consequentemente, seus escritos deveriam ter um lugar de honra dentro das igrejas”.[20]
Esta era a grande questão sobre a canonicidade de um
livro tal como o Novo Testamento. Este critério não era a proposição de que todos os livros do Novo Testamento
fossem escritos. É bom que se diga que esta proposição não significava que
todos os livros deveriam ter sido escrito por um apóstolo, mas a proposição
vinha também “incluir aqueles que estiveram contatos direto com os apóstolos.
Nesse sentido o evangelho de Marcos era entendido como ligado a Pedro; e o de
Lucas estava ligado a Paulo”.[21]
O critério da Apostolicidade tem sido considerado o
determinante para a formação do “Cânon” do Novo Testamento. Se um livro tivesse
sido escrito por um apóstolo ou por alguém associado a ele, então, tal livro
deveria ser incluído na lista canônica.
2.
O Critério da Leitura Pública nas Igrejas Locais.
Este Critério é basicamente dependente do primeiro,
visto que, se uma obra literária pertencia a algum apóstolo, ou foi escrito por
alguém ligado ao apostolado, tal escrito deveria ser lido publicamente, ou
seja, deveria gozar de uma ampla aceitação dentro das igrejas locais. “A
aceitação e o uso litúrgico por parte
das Igrejas locais constituíam-se numa evidência de canonicidade”[22]dentro
da visão eclesiástica para o reconhecimento de uma regra com a qual a Igreja pudesse
com todas as letras basear a sua fé dogmática.
É assim que Jerônimo insiste em que não importa quem
escreveu o livro de Hebreus, pois, de qualquer forma esse livro e a obra de
escritor da igreja “[...] é de qualquer forma lido
constantemente nas igrejas”.[23]
O livro para ser incorporado ao “Cânon” deveria ter
exercido uma forte influência nas igrejas locais com resultados proveitosos;
inclinando-os a uma vida proveitosa e piedosa conforme a Lei de Deus, as
igrejas usavam uma lista de livros para a manifestação da “liturgia da palavra”,
tais listas serviram de respaldo para a formação canônica do Novo Testamento.
3.
O Critério da Harmonia Doutrinária.
Uma coisa precisa ser dita aqui é o fato de que o
Novo Testamento não surgiu com a Igreja ditando o que era, e o que não era a
Palavra de Deus, já fizemos alusão a isto. Entre os escritos deveria "
haver uma conformidade entre o documento e a ortodoxia , ou seja, a verdade
cristã reconhecida como normativa nas igrejas”[24].
Se algum livro não estivesse de conformidade com a
doutrina cristã tal escrito seria tido
como herético; pois, cada doutrina é harmoniosa na Bíblia; a nossa Confissão de
Fé nos diz que
Pelo
testemunho da Igreja podemos ser movidos e incitados a um alto e reverente
apreço pela Escritura Sagrada; a suprema excelência do seu conteúdo, a eficácia
da sua doutrina, a majestade do seu estilo, a harmonia de todas as suas partes, o escopo
do seu todo (que é dar a Deus toda glória) [...][25]
A harmonia entre os escritos e a ortodoxia da
Igreja critério fundamental; e somente
os que sustavam a ortodoxia da Igreja foram incluídos no “Cânon” do Novo
Testamento.
4.
O Critério da Inspiração.
Não menos importante é o critério da Inspiração
divina. Este critério tem sido negligenciado por grandes eruditos, tais como
Broadus que não o cita em seu livro, e nem Carson e seus amigos não fazem
alusão a tal critério, talvez seja por sua natureza bem mais subjetiva do que
objetiva; todavia, este critério é fundamental.
O único escritor que cita este critério é Tenney que
afirma: “O verdadeiro critério da canonicidade é a inspiração”.[26]
Acreditamos que a afirmação de Tenney é muito boa,
pois, veio de um grande conservador, mas pensamos que Carson esteja certo
quando diz: “Talvez se deva mencionar que os pais não reconhecem uma obra
canônica pelo fato de ser inspirada, visto que, sem maiores restrições, também
aplicam o vocábulo “inspiração” e expressões correlatas a livros
não-canônicos”.[27]
Embora acreditamos que se um livro era de autoria apostólica e era regularmente
usado na liturgia e homilia da Igreja, esta aceitabilidade, deve ser incluída
na Inspiração.
Diante disso tudo, entendemos que o “Cânon” do Novo
Testamento foi reconhecido como autoritativo no seio da Igreja.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
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BRUCE, F.F. Merece
Confiança o Novo Testamento?, São Paulo: Vida Nova, 1986, p.35.
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CARSON,
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4.
CESÁREA, Eusébio. História
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5.
Confissão
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6.
COSTA, Herminsten Maia. A Inspiração e Inerrância das Escrituras – Uma Perspectiva Reformada, São Paulo: Cultura Cristã,
1998.
7.
GUHRT, J
& LINK, H.G. Regra , In: BROW,
Colin, Editor Geral. O Novo
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8.
HALE, Broadus David. Introdução ao Estudo do Novo Testamento, Rio de Janeiro: Juerp,
1989.
9.
KUMMEL, W.G. Introdução
ao Novo Testamento, São Leopoldo : Sinodal, 1972.
10. Revista Eclésia, Ano VI Número 70.
11. STOTT,
John. Eu Creio na Pregação, São
Paulo: Vida , 2001.
12. TNNEY,
Merril C. O Novo Testamento – Sua Origem
e Análise, São Paulo: Vida Nova, 1960..
*
O autor é ministro da Igreja Presbiteriana do Brasil. Foi professor de línguas
bíblicas [grego e Hebraico] no Seminário Presbiteriano Fundamentalista do
Brasil. Atualmente é pastor auxiliar na Primeira Igreja Presbiteriana de
Teresina - Piauí. Contatos: jrcalvino9@hotmail.com
/ (86)8811-2607 [OI] – (89)
9930-6717[TIM]
[1] CARSON, D.A, MOO, Douglas J. &
MORRIS, Leon. Introdução ao Novo
Testamento .São Paulo: Vida Nova, 1997, p.541.
[2]
COSTA, Herminsten Maia. A Inspiração e
Inerrância das Escrituras – Uma Perspectiva
Reformada, São Paulo: Cultura Cristã, 1998,18-19.
[3] Confissão de Fé de Westminster , São
Paulo: Editora Cultura Cristã, 1999, Capítulo 1, Seção 7.
[4] GUHRT, J & LINK, H.G. Regra ,
In: BROW, Colin, Editor Geral. O Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, São
Paulo: Vida Nova, Volume 4, 1983.
[5]
TNNEY, Merril C. O Novo Testamento – Sua
Origem e Análise, São Paulo: Vida Nova, 1960,427.
[6]
COSTA, Herminsten Maia. A Inspiração e
Inerrância das Escrituras – Uma Perspectiva
Reformada, São Paulo: Cultura Cristã, 1998, p.21.
[7]COSTA,
Herminsten Maia. A Inspiração e Inerrância
das Escrituras – Uma Perspectiva
Reformada, São Paulo: Cultura Cristã, 1998, p.21.
[8]
Apud, COSTA, Herminsten Maia. A
Inspiração e Inerrância das Escrituras – Uma Perspectiva Reformada, São Paulo: Cultura Cristã,
1998, p.23.
[9]
CESÁREA, Eusébio. História Eclesiástica,
vol. III a V.
[10]
Para se conhecer mais um pouco sobre a vida deste grande homem de Deus e a sua
importância na área de Homilética leia
STOTT, John. Eu Creio na Pregação,
São Paulo: Vida , 2001, p.20-21
[11]
Apud, COSTA, Herminsten Maia. A
Inspiração e Inerrância das Escrituras – Uma Perspectiva Reformada, São Paulo: Cultura Cristã,
1998, p.25.
[12]
CESÁREA, Eusébio. História Eclesiástica,
vol. VII . 29.1, 30.1.
[13]
KUMMEL, W.G. Introdução ao Novo
Testamento, São Leopoldo : Sinodal, 1972, p.18
[14] CARSON, D.A, MOO, Douglas J. &
MORRIS, Leon. Introdução ao Novo
Testamento .São Paulo: Vida Nova, 1997, p.437.
[15]
CESÁREA, Eusébio. História Eclesiática, vol.
III – 25.7.
[16]
COSTA, Herminsten Maia. A Inspiração e
Inerrância das Escrituras – Uma Perspectiva
Reformada, São Paulo: Cultura Cristã, 1998, p.30.
[17]
Veja-se Confissão de Fé de Westminster ,
São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1999, Capítulo 1, Seção 1.
[18] Apud,
Revista Eclésia, Ano VI Número 70,
p.28.
[19] BRUCE,
F.F. Merece Confiança o Novo Testamento?,
São Paulo: Vida Nova, 1986, p.35.
[20] HALE,
Broadus David. Introdução ao Estudo do
Novo Testamento, Rio de Janeiro: Juerp, 1989, p.35.
[21] CARSON, D.A, MOO, Douglas J. &
MORRIS, Leon. Introdução ao Novo
Testamento .São Paulo: Vida Nova, 1997, p.550.
[22]
COSTA, Herminsten Maia. A Inspiração e
Inerrância das Escrituras – Uma Perspectiva
Reformada, São Paulo: Cultura Cristã, 1998, p.40.
[23] CARSON, D.A, MOO, Douglas J. &
MORRIS, Leon. Introdução ao Novo
Testamento .São Paulo: Vida Nova, 1997, p.550-551.
[24] Idem.
[25] Confissão de Fé de Westminster , São
Paulo: Editora Cultura Cristã, 1999, Capítulo 1, Seção V.
[26] TNNEY,
Merril C. O Novo Testamento – Sua Origem
e Análise, São Paulo: Vida Nova, 1960,428.
[27] CARSON, D.A, MOO, Douglas J. &
MORRIS, Leon. Introdução ao Novo
Testamento .São Paulo: Vida Nova, 1997, p.551.