terça-feira, 11 de julho de 2023

AS INSTITUTAS DA RELIGIÃO CRISTÃ DE CALVINO: SEU CONTEXTO HISTÓRICO.

AS INSTITUTAS DA RELIGIÃO CRISTÃ DE CALVINO: SEU CONTEXTO HISTÓRICO.

Rev. João Ricardo Ferreira de França

INTRODUÇÃO:

             A história da igreja tem personagens significativos em seu rol. Há ilustres nomes ao longo do tempo desde os grandes heróis da fé conforme registra Hebreus capítulo de número onze até missionários que são martirizados por testemunhar sua fé! Nessa tão densa nuvem de testemunhas, de heróis, de homens compromissados com o Evangelho, existe um homem conhecido como João Calvino (1509-1564), no cenário atual tem se escrito uma gama de biografias, artigos, teses sobre a sua pessoa e sua vida.

            A teologia de Calvino tem sido discutida e debatida em duas fontes principais, a primeira, é a sua coleção de comentários bíblicos que abarcam tanto o Antigo quanto o Novo Testamentos – uma fonte de consulta e pesquisas constantes; a outra é aquilo que tem sido considerada a opus Magnum de Calvino:  As Institutas da Religião Cristã. Neste estudo pretendemos considerar o contexto no qual as Institutas foram escritas. A razão para este estudo é que muitos ditos herdeiros da fé Reformada ou Calvinista passam pelo seminário teológico sem nunca ter uma cadeira especifica (uma disciplina) que aborda o conteúdo desta obra de João Calvino.

I – CALVINO: SUA VIDA.

            O reformador francês nasceu no dia 10 de julho de 1509 na cidade de Noyon, na França. Seu pai era um administrador financeiro do palácio do bispo católico da diocese de Noyon (LAWSON, 2007, p.18). O pai o havia criado para o sacerdócio, pois, naquele tempo isso era bastante rentável. Calvino ingressou na Universidade de Paris com o objetivo de estudar teologia, isto aos 14 anos de idade, para ter a preparação formal, e então, torna-se um sacerdote católico romano; aos 17 anos Calvino graduou-se em mestre em ciências humanas (Ibid, p.19).

            O pai de Calvino, após, um desentendimento com as autoridades eclesiásticas de Noyon decide colocar o filho para estudar Direito na universidade de Orleáns (1528), Calvino como um filho obediente, assim o fez. Porém, o Pai de Calvino morre em 1531; então, o futuro reformador mudou a direção de seus estudos para a literatura clássica que era a sua paixão. Seu primeiro comentário foi sobre uma obra clássica “De Clementia” do filósofo romano Seneca. Este comentário de Calvino foi a sua tese de doutorado do futuro teólogo reformador de Genebra. (LAWSON, 2007, p.20)

II – O CONTEXTO DAS INSTITUTAS DA RELIGIÃO CRISTÃ

            A conversão de Calvino à fé evangélica foi uma súbita conversão a Cristo, “onde as amarras do papado”, conforme ele descreve em seu prefácio ao comentário do livro de Salmos, esta conversão ele a descreve de um modo quase que poético:

Minha mente, que, a despeito de minha juventude estivera por demais empedernida em tais assuntos, agora estava preparado para uma atenção séria por uma súbita conversão, Deus transformou-a e a trouxe-a à docilidade (GEORGE, 1994, p.31)[1]

            A Conversão de Calvino deu um novo ar as perspectivas do avanço da Reforma tanto em Genebra como na França.

a)     O Nascimento das Institutas:

A primeira edição das Institutas foi em 1536.  Desde o princípio deve-se ressaltar que o surgimento desta obra se deu pelo incentivo de um amigo de Calvino chamado Louis du Tillet, Calvino ficou certa vez hospedado em sua casa onde produziu “grande parte de seu livro as institutas”, porém, este amigo de Calvino posteriormente se voltou para o romanismo.[2]

 O próprio Calvino escreveu como uma cartilha para instruir os cristãos novos na fé. Ela (as institutas) alguns anos após o fracasso literário de Calvino com a obra “De Clementia” este datado de 1532. A obra de Calvino o “De Clementia” foi uma espécie de desapontamento para seu autor, e, até mesmo em sacrifícios financeiros não compensados, um evidente fracasso, por tanto. (FERREIRA, 1985, p.142) O livro não se vendia. “Quase ninguém tomou conhecimento de sua publicação.” (HALSEMA, 2009, p.28).

Alguém já disse que o caminho da providência gerou o “insucesso do ‘De Clementia’ para aniquilar o humanista que começara a repontar em Calvino e dele fazer um teólogo consumado que havia de ser, nas Institutas” (FERREIRA, 1985, p.142). E, assim, temos o nascimento das Institutas como uma cartilha para orientar aos cristãos protestantes na vida de piedade.

b. O Título da Obra:

Nos compete também considerar o título da Opus Magnum  de Calvino conforme considerada neste artigo. O título que o Reformador deu a sua obra magna foi: O Ensino Básico da Religião Cristã, compreendendo quase a soma total da piedade do que é necessário conhecer sobre a Doutrina da Salvação. Um Trabalho recém-publicado que muito merece ser lido por todos os que estudam a Piedade. Um Prefácio ao mais cristão Rei da França, oferecendo a ele este livro como uma Confissão de Fé do autor, Jean Calvin de Noyon(GEORGE, 1994, p.177)[3] O que se destaca no título no título da obra são quatro princípios básicos:

1.     As Institutas seria um manual básico da fé protestante;

2.     As Institutas visavam fomentar a piedade cristã nos caminhos da salvação;

3.     As Institutas tem um caráter apologético;

4.     As Institutas chegam com força de uma confissão de fé.

Estes princípios são tão notórios que que o próprio Calvino resumiu a obra, em sua primeira edição, dando-lhe o título de Breve Instrução, que serviu como uma confissão de fé da Igreja de Genebra.

III – A ESTRUTURA TEOLÓGICA DAS INSTITUTAS.

            Consideremos agora a estrutura teológica das Institutas da Religião Cristã. A primeira edição das Institutas consistia de uns poucos seis capítulos, que podem ser estruturados do modo com segue:

1.     A Lei de Deus – Uma Breve Exposição dos Dez Mandamentos;

2.     A Fé – Uma sucinta Exposição do Credo Apostólico;

3.     A Oração – Apresenta-se uma exegese da oração dominical (O Pai Nosso);

4.     Os Sacramentos - Calvino discute a doutrina do Batismo e da Eucaristia (Santa Ceia)

5.     Os Cinco Sacramentos adicionais -  Calvino de forma apologética refuta os cinco sacramentos adicionais dos romanistas;

6.     A Liberdade Cristã e a Igreja – Aqui o Reformador Francês  toca em três delicados temas para a época:

a.      A Liberdade Cristã e de consciência;

b.     A política Eclesiástica;

c.      O Magistrado Civil.

Com os passar dos anos a mente de Calvino e a sua pena foram maturando suas ideias e as Institutas foi ganhando corpo, chegando a uma edição final em 1559. Composta com quatro volumes com um esquema teológico mais abrangente e completo para a instrução na fé reformada. Seu esquema de organização ficou como segue:

VOLUME I – O CONHECIMENTO DE DEUS, O CRIADOR:

1.     O conhecimento duplo de Deus;

2.     As Escrituras;

3.     A Trindade;

4.     A Criação;

5.     A Providência.

VOLUME II – O CONHECIMENTO DE DEUS, O REDENTOR:

1.     A queda, Pecaminosidade do homem;

2.     A Lei;

3.     Antigo e o Novo Testamentos (sua relação);

4.     Cristo, o Mediador: Sua Pessoa (Profeta, Sacerdote, Rei) e a obra da expiação;

VOLUME III – O MODO PELO QUAL RECEBEMOS A GRAÇA DE CRISTO, SEUS BENÉFICIOS E EFEITOS:

1.     Fé e Regeneração;

2.     Arrependimento;

3.     Vida Cristã;

4.     Justificação;

5.     Predestinação;

6.     A última ressurreição (final)

VOLUME IV – OS MEIOS EXTERNOS PELOS QUAIS DEUS CONVIDA-NOS À SOCIEDADE DE CRISTO.

1.     A Igreja.

2.     Os Sacramentos

3.     O Governo Civil.

CONCLUSÃO:

            Este artigo visou apresentar em linhas gerais o contexto das Institutas da Religião Cristã de João Calvino. Mostrando o quatro geral de como esta obra foi desenvolvendo-se até chegar a sua forma atual nos dias hoje.

BIBLIOGRAFIA:

1.     BEEKE, Joel. R.; JONES, Mark. Teologia Puritana – Doutrina para a Vida. Tradução: Marcio Loureiro Redondo. São Paulo: Vida Nova, 2016.

2.     BEZA, Theodoro de. A Vida e a Morte de João Calvino. Tradução: Waldyr Carvalho Luz. São Paulo: Editora Luz para o Caminho, 2006.

3.     CALVINO, João. Comentário sobre o Livro de Salmos, Volume 1. Tradução: Valter Graciano Martins, São Paulo: Editora Fiel, 2009.

4.     COSTA, Hermisten Maia Pereira da. A Inspiração e Inerrância das Escrituras – Uma Perspectiva Reformada. São Paulo: Cultura Cristã, 1998.

5.     FERREIRA, Wilson de Castro. Calvino: Vida, Influência e Teologia, São Paulo: Luz Para o Caminho,1998.

6.     CALVINO, Juan. Instiución de La Religión Cristiana. Tradução: Cipriano de Valera.  Barcelona:1999

7.     GEROGE, Timothy. Teologia dos Reformadores.Tradução: Gérson Dudus e Valéria Fontana. São Paulo: Editora Vida Nova, 1994

8.     HALSEMA, Thea B.  Von. João Calvino Era Assim.   São Paulo: Editora Os Puritanos, 2009

9.     LAWSON, Steven. A Arte Expositiva de João Calvino. Tradução:Ana Paula Eusébio Pereira. São Paulo: Editora Fiel,2008.

 

 

 



[1] Veja-se CALVINO, João. Comentário aos Salmos, São José Campos – SP: Volume 1,2009, p.31.

[2] Veja-se TOKASHIKI, Ewerton B. Pastoreando o Rebanho de Deus – Os documentos de Ordem da Igreja de Genebra. Teófilo Otoni – MG: Credo Reformado Publicações, 2022, p.31 – nota de número 15.

[3] Ênfase nossa.

terça-feira, 4 de julho de 2023

MATEUS 27.52-53 - A RESSURREIÇÃO DOS SANTOS SE DEU NA MORTE OU RESSURRERIÇÃO DE CRISTO?

 EXPLICAÇÃO DE MATEUS 27.52-53

Mortos ressuscitaram na morte de Cristo ou depois da Ressurreição de Cristo?

Rev. João Ricardo Ferreira de França.

Paz e Graça:

            Quando estive estudando teologia esse texto me incomodava muito, pois, vi e ouvi muitas abordagens a ele de modo que ao meu ver ignorava o tempo ocorrido da ressurreição dos que santos mencionados neste trecho. Havia aqueles que sustentavam que eles ressuscitaram e aguardaram no túmulo até a ressurreição de Cristo para saírem da sepultura. E, isso me incomodava porque seguindo a tradição paulina de 1ª Coríntios 15 de que Cristo é a “primícias dos que dormem”  seria impossível seguir uma posição que entra em colisão com a tradição Paulina – estudei e li muito sobre o assunto. Me convenci de que a passem a despeito de sua dificuldade caminha na direção de que essa ressurreição se deu após a ressurreição de nosso Senhor Jesus Cristo. E, nunca mais abordei o tema.

            Mas, recentemente em uma aula de escola dominical em nossa igreja, onde sou ministro da Palavra e dos Sacramentos, mencionei esta passagem com o entendimento que descrevi acima, um dos nossos alunos, um irmão cristão, questionou se eu teria algum teólogo que expressa essa posição. Na ocasião lembrei de Calvino, mas fiquei temoroso de citar o nome sem antes volta e consultar a obra de Calvino (por quem tem um profundo respeito e admiração), disse ao irmão que voltaria aos meus arquivos seminais e traria as citações que colaboram para a posição interpretativa que sigo.
            Antes de tudo quero ressaltar que esta é uma passagem realmente difícil das Escrituras, espero que estas singelas citações ajudem os que desejam estudar melhor essa passagem. Não dogmatizo minha posição, entretanto, creio ser a posição mais coerente com a revelação das Escrituras.

No amor de nosso redentor,

Desejo a edificação e instrução de todos com este compilado
Riachão do Jacuípe, 04 de julho de 2023.

Obs: nos textos gregos citados não inclui a transliteração para não sugerir que pertenciam aos autores que discutem exegeticamente a passagem.

JOÃO CALVINO:

E sepulturas foram abertas. Este também foi um milagre impressionante, pelo qual Deus declarou que seu Filho entrou na prisão da morte, não para continuar trancado lá, mas para tirar todos os que estavam cativos. Pois no mesmo momento em que a desprezível fraqueza da carne foi contemplada na pessoa de Cristo, a magnífica e divina energia de sua morte penetrou até o inferno. Esta é a razão pela qual, quando ele estava para ser encerrado em um sepulcro, outros sepulcros foram abertos por ele. No entanto, é duvidoso que essa abertura das sepulturas tenha ocorrido antes de sua ressurreiçãopois, em minha opinião, a ressurreição dos santos, mencionada imediatamente depois, foi posterior à ressurreição de CristoNão há probabilidade na conjectura de alguns comentaristas de que, depois de terem recebido o fôlego e vida, permaneceram três dias escondidos em seus túmulos. Acho mais provável que, quando Cristo morreu, os túmulos foram imediatamente abertos: e que, quando ele ressuscitou, alguns dos piedosos, tendo recebido a vida, saíram de seus túmulos e foram vistos na cidadePois Cristo é chamado o primogênito dentre os mortos (<510118> Colossenses 1:18), e as primícias dos que ressuscitam (<461520>1 Coríntios 15:20)porque por sua morte ele começou, e por sua ressurreição ele completou, uma nova vida; não que, quando ele morreu, os mortos ressuscitassem imediatamente, mas porque sua morte foi a fonte e o começo da vida. Essa razão, portanto, é totalmente aplicável, uma vez que a abertura das sepulturas foi o presságio de uma nova vida, que o fruto ou resultado apareceu três dias depois, porque Cristo, ao ressuscitar dos mortos, trouxe outros junto com ele para fora de suas vidas. túmulos como seus companheiros. Agora, por este sinal, ficou evidente que ele não morreu nem ressuscitou em caráter privado, mas para derramar o odor da vida em todos os crentes.

(JOÃO CALVINO, Commentary On Matthew, Mark, Luke, Volume-3., In: AGES Software • Albany, OR USA Version 1.0 © 1997, p.251-252)

John Gill – o puritano.

Mateus 27.52:

e muitos corpos de santos que dormiam surgiramnão que eles tenham surgido no momento da morte de Cristo: as sepulturas foram abertas então, quando a terra tremeu e as rochas se partiram; mas os corpos dos santos não surgiram até depois que Cristo ressuscitou, como aparece no versículo seguinte; mas porque o outro evento agora aconteceu, ambos estão registrados aqui: estes eram santos e os que dormiram em Jesus; e de quem ele é as primícias que agora surgiram; e não todos, mas muitos deles, como penhores da futura ressurreição, e para a confirmação de Cristo, e o cumprimento de uma profecia em (Isaías 26:19). E eles ressuscitaram nos mesmos corpos em que viveram antes, caso contrário, não poderiam ser chamados de seus corpos, ou conhecidos por aqueles a quem apareceram: mas quem eles eram? Não era para ser conhecido; alguns pensaram que eles eram os antigos patriarcas, como Adão, Noé, Abraão, Isaque, Jacó, etc. Na Septuaginta (Jó 42:17), Jó é considerado um deles, e uma tradição é registrada lá, que é assim: “está escrito que ele ressuscitou com quem o Senhor ressuscitou”. Mas deve parecer que eles eram alguns santos posteriores, como Zacarias, o pai de João Batista, o próprio João Batista, o bom e velho Simeão, José, marido de Maria, e outros, bem conhecidos das pessoas agora vivas. Alguns pensam que eles foram mártires na causa da religião; e assim a versão persa traduz as palavras, “e os corpos de muitos santos que sofreram o martírio, ressurgiram das sepulturas”.

Mateus 27.53:

E saiu dos túmulos após sua ressurreição, etc.] A ressurreição de Cristo; porque ressuscitou como as primícias, como o primogênito dos mortos e o primogênito dos mortos; pois ele foi o primeiro que ressuscitou para uma vida imortal; pois, embora outros tenham sido criados antes dele, por ele mesmo e nos tempos dos profetas, ainda para uma vida mortal; mas esses santos surgiram para a ressurreição da vida e, portanto, era necessário que Cristo, as primícias, ressuscitasse primeiro. A versão árabe realmente diz, “depois de sua própria ressurreição”; e a versão etíope, “depois que foram criados”; ambos errados e mal entendidos: e foram para a cidade santa; a cidade de Jerusalém, que embora agora seja uma cidade muito perversa, foi assim chamada, por causa do templo, da adoração a Deus e de sua residência nela: os locais de sepultamento dos judeus estavam fora da cidade e, portanto, estes ressuscitados santos, dizem que entraram nele: e apareceu a muitos; de seus amigos e conhecidos, que os conheceram pessoalmente e conversaram com eles em suas vidas. Esses santos, eu apreendo, continuaram na terra até a ascensão de nosso Senhor e, então, juntando-se à comitiva de anjos, foram triunfantemente com ele para o céu, como troféus de sua vitória sobre o pecado, Satanás, a morte e a sepultura.  

(GILL, John. In: Gill's Exposition - Matthew (grace-ebooks.com))

A.T. ROBERTSON

27.52. Abriram-se os sepulcros (μνημεῖα ἀνεῴχθησαν). Terceira pessoa do plural do aoristo primeiro passivo do indicativo (acréscimo silábico duplo). A divisão das pedras e a abertura dos sepulcros podem ter sido consequências do terremoto. Mas, a ressurreição dos corpos dos mortos depois da ressurreição de Jesus, que apareceram a muitos na Cidade Santa, confunde muitos hoje que crêem na ressurreição corpórea de Jesus. Alguns estigmatizam todos esses portentos como lendas, visto que só constam em Mateus. Outros afirmam que “depois da ressurreição” deve ser lido “depois da ressurreição deles”, mas isso entraria em conflito com as palavras de Paulo, que disse que Cristo “foi feito as primícias dos que dormem” (1 Co 15.20). (ROBERTSON, A.T – COMENTÁRIO de  Mateus e Marcos à Luz do Novo Testamento Grego. Rio de Janeiro, CPAD, 2011, p.323-324)

Osborne

Ideia Central – Mateus 27.51-60

A zombaria dos três grupos - o povo, os líderes e os soldados - é combatida pelo tríplice testemunho da natureza, dos soldados e das mulheres. A ênfase está na filiação divina de Jesus e nos resultados de sua morte em julgamento, ressurreição e um novo acesso a Deus tornado possível. Até seu enterro aponta para a natureza extraordinária de sua pessoa.

Estrutura e Forma Literária

Mateus novamente adapta o material de Marcos (vv. 51a, 54, 55-56, 57-61) e insere seu próprio material exclusivo sobre a abertura dos túmulos com os santos do AT emergindo (vv. 51b-53). Ao usar Marcos, Mateus acrescenta os soldados e os presságios sobrenaturais que eles viram ao v. 54 e abrevia muito (cerca de metade do comprimento) a história do sepultamento de Marcos 15:42-47.

Esboço exegético

I. Os Incríveis Pós-Eventos (27:51–53)

A. O rasgo do véu do templo (v. 51a)

B. O terremoto (v. 51b)

C. Os túmulos se abrem e os santos emergem (vv. 52–53)

II. As Testemunhas dos Eventos (27:54–56)

A. A confissão do centurião (v. 54)

B. As mulheres testemunham (vv. 55–56)

III. O sepultamento de Jesus (27:57-61)

A. O corpo dado a José de Arimatéia (vv. 57–58)

B. O sepultamento de Jesus no túmulo novo de um homem rico (vv. 59–60)

C. As mulheres testemunham (v. 61)

Mateus combinou duas tradições aqui - uma que ocorreu na Sexta-Feira Santa, com um terremoto na morte de Jesus dividindo a cortina do véu e abrindo vários túmulos; e outra “depois da ressurreição” (ver o v. 53), quando muitos dos “santos” mortos foram vistos em Jerusalém. O principal propósito de Mateus em suas várias cenas sobrenaturais peculiares a ele (as visões/sonhos dos Magos, José, a esposa de Pilatos, bem como estes dois e 28:2) é demonstrar a afirmação sobrenatural da verdadeira natureza de Jesus e seu efeito sobre a relação Deus-homem. Aqui ele reúne essas tradições para conectar a morte e a ressurreição de Jesus como um único evento histórico da salvação e para mostrar a filiação divina de Jesus por meio do testemunho sobrenatural (vv. 51-53) e humano (v. 54).

O terremoto vem depois do rasgo do véu, então o terremoto não é a causa da abertura da cortina (um ato sobrenatural), mas um evento separado. Também é um evento sobrenatural, como visto no passivo divino (“fomos separados”) aqui. Mateus tem três cenas σεισμός (“terremoto”) (8:24; 27:54; 28:2; veja em 8:24). É um símbolo judaico comum para a atividade de Deus no AT (Jz 5:4; 2 Sm 22:8; Sl 18:7; 77:18; Is 2:19, 21; Joel 3:16) e no Apocalipse ( Ap 6:12; 8:5; 11:13; 16:18), frequentemente usado no NT para libertar os mensageiros de Deus (Atos 16:26, Rev. 6:12, 8:5).⁷ Assim, é possível que aqui Mateus indica a ascensão do espírito de Jesus ao Pai por meio do motivo do terremoto e que no túmulo, no terceiro dia, outro terremoto indica a ressurreição de seu corpo (28:2).

27:52 E os sepulcros foram abertos. Em seguida, muitos corpos dos santos que morreram foram ressuscitados (avnew|,cθησαν). Observe a continuação dos passivos divinos, apontando para Deus como o agente. Senior chama isso de discurso apocalíptico baseado na história dos ossos secos de Ezequiel 37 para mostrar o significado da morte de Jesus. A abertura das tumbas e a ressurreição dos mortos continuam o motivo escatológico do terremoto de duas maneiras. (1) Na morte de Jesus, a inauguração dos últimos dias é selada, o poder da morte é quebrado e os justos são ressuscitados. (2) Ocorre a inauguração da nova era de salvação, quando a vida é disponibilizada a todos. Ambos os aspectos são combinados na expectativa apocalíptica e aguardam os presságios cósmicos que precederão o retorno de Cristo (como diz Hill).

A abertura das sepulturas alude a Ezequiel 37:12–13. “Assim diz o Soberano Senhor: 'Povo meu, abrirei os seus túmulos e os tirarei deles'.” Em Ezequiel, é uma metáfora para o retorno do exílio, mas aqui é a ressurreição dos mortos. . “Adormecido” (κεκοιμημένων) era uma metáfora comum para a morte (Atos 7:60; 1 Coríntios 15:6, 51; 1 Tessalonicenses 4:13), e isso se refere à ressurreição física dos “santos” do AT, certamente não todos os “santos” (Zacarias 14:5) do passado, mas mais provavelmente alguns dos “heróis e mártires da história de Israel selecionados para dar testemunho miraculoso desses eventos”. Há muitas perguntas sobre isso; por exemplo, quantos foram levantados (provavelmente apenas alguns)? E isso foi uma ressurreição como Lázaro, de modo que eles viveram uma vida na terra e morreram, ou uma ressurreição em seus corpos glorificados, de modo que foram levados com Cristo para o céu (a maioria prefere o último)?[1]

27:53 E, saindo dos túmulos depois da ressurreição dele, entraram na cidade santa e apareceram a muitos (ῆλθον εἰς τὴν ἁγίαν πόλιν καὶ ἐνεφανίσθησαν πολλοῖς). Há um movimento distinto da ação centralizada em “fora” (ἐκ) e “dentro” (εἰς), cada um encontrado com o verbo e o substantivo para dar ênfase. A imagem dos santos do AT ressuscitados na morte de Jesus, mas não vistos até “depois de sua ressurreição” tem levantado muitas questões. Por que eles seriam ressuscitados, mas não apareceriam até trinta e seis horas depois?

A melhor solução é fornecida por John Wenham, que coloca um ponto entre os vv. 52a e 52b-53, significando que o terremoto e a abertura dos túmulos pertencem à morte de Jesus, enquanto a ressurreição dos santos e sua aparição em Jerusalém pertencem à ressurreição. Isso fornece uma separação satisfatória entre os eventos da morte de Jesus e de sua ressurreição, mostrando que o propósito de Mateus é reunir a morte e a ressurreição como um único evento na história da salvação. Enquanto os túmulos foram abertos no terremoto, os heróis do AT não foram ressuscitados até “depois da ressurreição de Jesus”. Seria gratificante saber quais deles apareceram - Abraão ou José ou Davi ou Aarão ou Jeremias ou Malaquias? Provavelmente muitos eram nomes não mencionados no AT, mas nunca saberemos até chegarmos ao céu. No entanto, podemos imaginar a emoção quando as pessoas os conheceram e ouviram suas histórias.

Mateus não quer contar os detalhes porque quer que nos concentremos no significado do evento. Observe a ênfase deliberada em “os santos”/“cidade santa”. Mateus enfatiza a natureza “santa” dos eventos, transformando até mesmo a cidade apóstata que “mata os profetas” (23:37) e está matando o Messias na “cidade santa” que não voltará a ser até o fim dos tempos ( Ap 21:2, 10). No entanto, mesmo aqui há promessa de um remanescente a ser preservado (veja-se Blomberg).

(OSBORN, GRANT – Mattew.- Exegtical Commentary on the New Testament: Grand Rapis: Zondervan, 2010,  p.2.270-2.278



[1] Calvino é dessa opinião – nota do compilador.

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