sexta-feira, 24 de abril de 2015

A INTERPRETAÇÃO DO APOCALIPSE

A INTERPRETAÇÃO DO APOCALIPSE
Rev. David Chilton
Tradução: Rev. João Ricardo Ferreira de França.

            Logo de inicio, enfrentamos dois problemas quando tentamos estudar o Apocalipse. O primeiro é a questão de estarmos seguros de que a nossa interpretação é correta – colocando limites em nossa imaginação para não forçar a Santa Palavra de Deus a entrar em molde de nossa própria invenção. Devemos permitir que o livro de Apocalipse diga o que Deus pretendeu  dizer. O segundo problema é a questão da ética – que fazer com o que temos aprendido.
O modelo bíblico de interpretação.
            No próprio versículo primeiro de Apocalipse, João nos proporciona uma importante chave interpretativa: “Revelação de Jesus Cristo, que Deus lhe deu para mostrar aos seus servos as coisas que em breve devem acontecer e que ele, enviando por intermédio do seu anjo, notificou ao seu servo João,” (Apocalipse 1.1 ARA). O uso do termo “Notificou [declarou]” nos fala que a profecia não deve ser considerada simplesmente como  “história escrita antecipadamente”. Em vez disso, Apocalipse é um livro de sinais: representações simbólicas dos acontecimentos vindouros. Os símbolos não deve m entender-se de maneira literal. Podemos ver isto no uso que João faz do termo em seu evangelho (veja-se João 12.33; 18.32;21.19). Em cada caso, está se usando no sentido de que Cristo significou um evento futuro mediante uma indicação mais ou menos simbólica, mas por meio de uma descrição clara e literal. E esta é geralmente as formadas das profecias em Apocalipse. Isto não significa que os símbolos sejam ininteligíveis e que a interpretação não esteja disponível. Por outro lado, não estou dizendo que os símbolos estão em alguma espécie de código, de modo que tudo o que necessitamos é um dicionário ou uma gramática de simbolismo para “traduzir” os símbolos para o idioma português. A profecia é profecia, não alegoria ingênua ou estática. A única maneira de entender seu simbolismo é familiarizando-se com a Bíblia. O modelo bíblico de interpretação é a própria Bíblia.
Já temos tomado nota das falácias e inconsistências involucradas na assim chamada escola “literalista” de interpretação bíblica. Outro problema, que é especialmente sério entre os teólogos “pop” é sua interpretação arbitrária dos símbolos proféticos.  Tenho ouvido pregadores falar dos escorpiões de Apocalipse 9.3-11 como que mostram umas desconcertantes variedades de horrores: Bombardeios, projéteis balísticos, helicópteros Cobra, e até as temidas “abelhas assassinas” da América do Sul. Qual destes representam os gafanhotos? Sem um modelo de interpretação, não há maneira objetiva alguma de sabê-lo – e assim, o livro de Apocalipse se torna, na prática, o que seu próprio título insiste que não é: uma mixórdia  ininteligível de fogo e vento “apocalípticos” que não significam nada.
Na realidade, João nos disse milhares de vezes durante todo o livro de Apocalipse exatamente o que é o modelo  de interpretação, porque o livro está positivamente abarrotado de citações do Antigo Testamento e alusões a ele. O livro de Apocalipse depende do Antigo Testamento muito mais que qualquer outro livro do Novo Testamento. Por si só, este fato deveria advertir-nos que não podemos começar a penetrar em seu significado sem uma sólida compreensão da Bíblia como um todo – esta é a razão para que eu tenha escrito a segunda parte deste livro, e por que estou repisando sobre o tema novamente. As igrejas primitivas possuíam essa classe de compreensão. O evangelho havia sido pregado primeiramente aos judeus e aos prosélitos gentios; frequentemente, as igrejas haviam sido formadas por adoradores em sinagogas, e isto ocorria até nas igrejas da Ásia Menor (Atos 2.9; 13.14; 14.1; 16.4; 17.1-4,10-12,17; 18.4,8,19,24-28; 19.1-10,17). Também, está clara em Gálatas 2.9 que o ministério do Apóstolo João era para os judeus em particular. Por conseguinte, os primeiros leitores do Apocaliçse estavam mergulhados no Antigo Testamento até um ponto em que a maioria de nós não o está hoje em dia. O simbolismo de Apocalipse está saturado de alusões bíblicas que eram comumente compreendidas pela igreja primitiva. Ainda que nas raras congregações que não tinham nenhum membro hebreu, as Escrituras usadas no ensino e no culto eram principalmente do Antigo Testamento. Os cristãos primitivos possuíam a chave autorizada e infalível para o significado das profecias de João. O que os modernos não apreciam este fato crucial é a causa principal de nossa incapacidade para entender do João está falando.
Por exemplo, consideremos um símbolo de Apocalipse, do qual se tem abusado muito, e apliquemos este princípio. Em Apocalipse 7,9,14 e 22, João vê o povo de Deus selados em suas fontes com seu nome; e em Apocalipse 13.16, João escreve sobre os adoradores da besta, que tem sua marca na mão direita e na fronte. (diga-se de passagem: não lhe parece estranho que todo mundo esteja tão excitado sobre ‘a marca da besta’ quando a clara ênfase em Apocalipse é sobre o selo de Deus nas fontes dos crentes?) Tem-se feito muitas e fantásticas interpretações  em relação a estas marcas – que vãos desde tatuagens e ingressos de parques de diversões até o código de barras da conta do cartão de crédito e o numero da Previdência Social – e tudo sem observar as mínimas alusões bíblicas mais claras. Mas o que haveriam pensado os primeiros leitores destas passagens? Os símbolos lhes haveriam feito pensar imediatamente nas várias referências bíblicas: a “marca” do suor na fronte de Adão, significando a maldição de Deus por sua desobediência (Gênesis 3.19); a fronte do sumo sacerdote, marcada com letras de ouro proclamando que agora era SANTO AO SENHOR (Êxodo 28.36); Deuteronômio 6.6-8 e Ezequiel 9.4-6, em que os servos de Deus são “marcados” na mão e na fronte com a lei de Deus, e recebem assim benção e proteção em nome de Deus. Por outro lado, os seguidores da besta recebem sua marca e propriedade: submetendo-se a lei ímpia, estadistas, anticristã. Em Apocalipse, a marca não deve ser tomada literalmente. É uma alusão a um símbolo do Antigo Testamento que falava da total obediência de um homem a Deus, e represente uma advertência de que o deus de uma sociedade – seja o Deus verdadeiro ou o estado deificado – exige completa obediência a seu domínio.
Este será o princípio de interpretação que se seguira neste livro. A Revelação[1] é uma revelação: o propósito é que se entenda. Contudo, não o entenderão os preguiçosos e os indisciplinados que buscam emoções, que tem tanta pressa que não possuem tempo para estudar a Bíblia. Muitos passam apressadamente desde sua primeira profissão de fé até o último livro da Bíblia, tratando-o como mais um livro de alucinações, desdenhando apressadamente de um sombrio intento de permitir que a Bíblia interprete a si mesma – descobrindo, no final das contas, só um reflexo de seus próprios preconceitos. Porém, para os que prestam atenção à Palavra de Deus como um todo, a mensagem é clara. Benjamin Warfield escreveu:
O Apocalipse de João não necessita ser outra coisa que fácil: todos os seus símbolos são ou naturalmente óbvios ou tem suas raízes nos poetas e profetas do Antigo Testamento e a linguagem figurada de Jesus e seus apóstolos. Ninguém que conheça sua Bíblia necessita se desesperar para ler este livro com proveito. Sobre tudo, o que pode entender o grande discurso de nosso Senhor concernente as últimas coisas (Mateus 24) não pode deixar de entender o apocalipse, que se baseia nesse discurso, e escassamente avança mais além do que ele[2]    
Profecia e ética.
            Também, o livro de Apocalipse é tratado como exemplo do gênero “apocalíptico” de escritos que floresceram entre os judeus entre o ano de 200 a.C e o ano 100 d.C. Não há nenhuma base em absoluto para esta opinião, e é completamente infeliz que a palavra apocalíptico seja usada para descrever esta literatura. (os mesmos escritores de literatura “apocalíptica” nunca usaram o termo neste sentido; também, os eruditos roubaram o termo de João, que chamou seu livro “o apocalipse [a revelação] de Jesus Cristo”). Na realidade, há muitas e grandes diferenças entre os escritos “apocalípticos” e o livro de Apocalipse.
            Os “apocalipsistas” se expressam em símbolos inexplicáveis e ininteligíveis, e geralmente não tinham nenhuma intenção de fazer-se entender. Seus escritos abundam em pessimismo: não é possível nenhum verdadeiro progresso, nem haverá nenhuma vitória para Deus e seu povo na história. Nem sequer podemos ver a Deus na história. Tudo o que sabemos é que o mundo está se tornando pior e pior. O melhor que podemos fazer é esperar o fim –  e pronto. Porém, por este momento, as forças do mal estão sob controle . (lhe soa familiar?). O resultado prático foi que os apocalipsistas rara vez se preocupavam com a conduta ética. Não lhes interessava muito como viver no presente (e na realidade assumir o domínio seria impensável); só queriam especular sobre os cataclismos futuros.
O enfoque de João no Apocalipse é vastamente diferente. Seus símbolos não são obscuras divagações incubadas em uma imaginação febril; estão firmemente enraizadas no Antigo Testamento ( e a razão de sua aparente obscuridade é isso mesmo: temos problemas para entendê-los simplesmente não conhecemos as nossas Bíblias). Em contrastes com os apocalipsistas, que haviam abandonado a história, João apresenta a história como o cenário da redenção: Deus salva a seu povo em seu ambiente, e fora dele; e Deus salva o ambiente.
Leon Morris, em seu importante estudo de Apocaliptica (Eerdmans, 1972), descreve a visão mundial de João: “ Para ele, a história é a esfera em que Deus tem forjado nossa redenção. O que realmente crítico na história da humanidade já tem seu lugar, e teve lugar aqui, nesta terra, nos assuntos dos homens. O cordeiro ‘como imolado’ domina o livro por completo. João vê a Cristo como vitorioso, e havendo obtido a vitória sobre a morte, um evento na história. Seu povo compartilha de seu triunfo, por tem derrotado a Satanás ‘pelo sangue do cordeiro e pela palavra de seu testemunho” (Apocalipse 12.11). Está ausente o pessimismo que difere da atividade salvadora de Deus até o fim. Ainda que João apresenta o mal realisticamente, seu livro é fundamentalmente otimista” (p.79).
Os apocalipsistas disseram: O mundo se aproxima de seu fim: rendam-se! Os profetas bíblicos disseram: O mundo se aproxima a seu princípio: Ponha-se a trabalhar!
Assim, pois, o livro de Apocalipse não é um tratado de apocalíptica; mas devidamente, é, como João mesmo nos lembra repetidamente, uma profecia (Apocalipse 1.3; 10.11; 22.7,10, 18-19), de acordo com os escritos de outros profetas bíblicos . E – novamente em profundo contraste com os apocalipsistas – se houve uma preocupação principal entre os profetas bíblicos, foi a conduta ética. Nenhum escritor bíblico jamais revelou o futuro só para satisfazer a curiosidade: o objetivo foi sempre dirigir ao povo de Deus sobre ações corretas no presente. A esmagadora maioria das profecias bíblicas não tinha nada haver com o errôneo conceito de que a “profecia” predizia o futuro. Os profetas falavam do futuro para estimular a vida piedosa. O propósito da profecia é ético.
O  fato de que muitos dos que estudam os escritos proféticos na atualidade estão mais interessados em encontrar possíveis referências a viagens espaciais e armas nucleares que em descobrir os mandamentos de Deus para a vida é um repugnante tributo à moderna apostasia. “O testemunho de Jesus é o espírito de profecia” (Apocalipse 19.10); ignorar a Jesus em favor de explosões atômicas é uma perversão da Escritura, uma extravagante distorção da Santa Palavra de Deus. Do princípio ao fim, João está intensamente interessado na conduta ética dos que lêem o livro do Apocalipse:
“Bem-aventurados aqueles que lêem e aqueles que ouvem as palavras da profecia e guardam as coisas nela escritas, pois o tempo está próximo” (Apocalipse 1.3 ARA).
“Bem-aventurado aquele que vigia e guarda as suas vestes”(Apocalipse  16.15 ARA)
“Bem-aventurado aquele que guarda as palavras da profecia deste livro”. (Apocalipse 227 ARA).
“Bem-aventurados aqueles que guardam os seus mandamentos,” (Apocalipse 22:14 ACF).
            Devo sublinhar que, ao argumentar a favor da escatologia do domínio,  não estou simplesmente apresentando um programa alternativo como guia para o futuro. A escatologia bíblica não é só um calendário de eventos especiais. O significado fundamental da esperança é o senhorio de Jesus Cristo. O objetivo da escatologia é levar as pessoas a adorar e servir ao seu Criador. A profecia nunca é meramente um exercício acadêmico. Todos os profetas apontavam para Jesus Cristo, e todos eles exigiam  uma resposta ética. A palavra de Deus exige uma total transformação de nossas vidas, em todo o momento. Se esse não é o objetivo, e o resultado, de nosso estudo da Escritura, não nos servirá de nada.




[1] NT – O Título do livro de Apocalipse deriva-se da primeira palavra que aparece cujo significado é Revelação.
[2] WARFIELD, Benjamin.  Selected  Shorter  Writings [Presbyterian and Reformed, 1973], vol. 2, pp. 652s

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