Módulo I – O Pano de Fundo de
Atos dos Apóstolos
Aula 01 – Questões Introdutórias ao Livro.
ATOS DOS
APÓSTOLOS
Rev. João França
INTRODUÇÃO:
O livro de Atos dos Apóstolos narra
os primeiros trinta anos após a ascensão de Jesus ao Pai. Um livro riquíssimo
no qual devemos mergulhar para o entendermos.
Este é um capítulo inspirador da História da Igreja. Na verdade, o Livro
que nos propomos estudar neste curso é a primeira história eclesiástica
neotestamentária[1].
Este livro trata de modo particular
como viveu a Igreja logo após a entronização[2]
de Cristo! O título atribuído ao livro já suscitou na vida da igreja algum
certo debate, os que preferem o título conforme se encontra em nossas bíblias “PRAXEIS APOSTOLWN” (Praxeis Apostolon) ou “Práticas dos Apóstolos” tem um apoio na
Igreja Primitiva[3],
outros tem sugerido que o título do livro é infeliz e que por isso deveria
chamar-se Atos do Espírito Santo.[4]Mas,
certamente falta evidências suficientes para isto. Devemos considerar Atos como
a continuação da obra de Cristo Jesus por meio dos apóstolos como o verso de
abertura deste livro parece nos indicar: “Escrevi o primeiro livro, ó Teófilo, relatando todas as coisas que Jesus começou
a fazer e a ensinar” e prossegue no verso seguinte apoiando essa
pressuposição básica “até ao dia em que, depois de haver dado mandamentos por intermédio do Espírito Santo aos apóstolos
que escolhera, foi elevado às alturas.”.
I – QUESTÕES INTRODUTÓRIAS (AUTORIA):
O
livro de Atos dos Apóstolos é resultado da inspiração do Espírito Santo sobre a
vida de seu autor. É claro que o autor primeiro deste livro bíblico é Deus.
Mas, sua inspiração divina não deve distrair a nossa atenção do autor humano. A
tradição eclesiástica (a tradição da igreja) tem atribuído a autoria deste
livro a Lucas.
Mas, será que tal tradição se sustenta? Será que podemos provar que Lucas
tenha escrito o livro de Atos? Para isso faremos três importantes
procedimentos: 1. Faremos uma comparação entre Atos e o Evangelho; 2.
Analisaremos a História da Igreja Primitiva; e por fim, 3. Olharemos para o
restante do Novo Testamento para ver se existe alguma evidência da autoria
lucana deste livro.
- O EVANGELHO DE LUCAS COMPARADO COM
ATOS:
Nosso trabalho se ocupará agora de uma comparação entre os dois livros
neotestamentários. E quando procedemos com a comparação surgem dois tipos de
evidências importantes que sugerem com muita força que uma só pessoa escreveu
ambos os livros. Tais evidências são classificas de 1. Explícita (aquela que
está claramente indicando que é o mesmo autor); 2. Implícita (aquela que sugere
a autoria comum dentro do corpo textual), vejamos:
- Evidências
Explícitas:
Em Atos 1.1 nós lemos as seguintes palavras: “Escrevi o primeiro livro, ó Teófilo, relatando todas as
coisas que Jesus começou a fazer e a ensinar”
Aqui o escritor
do livro fala de “seu primeiro livro”, dando a entender que Atos é faz parte de
uma obra em dois volumes. Também somos informados que ele escreveu o livro
destinado a uma pessoa de nome Teófilo.
Agora vejamos o prólogo de Lucas 1.1-4:
Visto que muitos houve que empreenderam uma narração
coordenada dos fatos que entre nós se realizaram, conforme nos transmitiram os
que desde o princípio foram deles testemunhas oculares e ministros da palavra,
igualmente a mim me pareceu bem, depois de acurada investigação de tudo desde
sua origem, dar-te por escrito, excelentíssimo
Teófilo, uma exposição em ordem, para que tenhas plena certeza das
verdades em que foste instruído.
Então, nesta simples comparação
podemos observar que o livro de Atos dos Apóstolos trata-se de um segundo tomo
de uma obra única. Kistemaker mais uma vez é elucidativo neste aspecto:
O Evangelho de Lucas e Atos estão estreitamente
relacionados devido à dedicatória desses dois livros a Teófilo (Lc 1.3; At
1.1). Casualmente, o tratamento excelentíssimo Teófilo parece inferir
que este pertencia a uma alta classe social (comparem-se 23.26; 24.3; 26.25). E
ainda, o versículo introdutório de Atos (1.1) revela que esse é o segundo
volume que Lucas escreveu e uma continuação do primeiro (o Evangelho).[5]
Vale salientar
que tanto “Lucas quanto Atos são anônimos, no sentido estrito da palavra”[6],
por isso, se faz necessário determinarmos o autor de ambas as obras, mas pelo
que as evidências nos apresentam apenas um autor escreveu estes dois livros.
- Evidências Implícitas:
Além das
evidências explícitas da autoria de Lucas para Atos dos Apóstolos encontramos
muitos escritores que reconhecem essa similaridade na obra Atos-Lucas. Conforme
nós percebemos em Lucas 1.1-4 o autor se esforçou em apresentar um relato ordenado das coisas como ocorreram.
O livro de Atos também segue basicamente a mesma estrutura. Há semelhanças
entre os livros, entre as quais destacamos:
a.
Eles se desenvolvem em estilo episódio.
b.
Há temas paralelos em ambos os livros.
c.
Também há expectativas no livro de Lucas que só se cumprem em
Atos: “porque os meus olhos já viram a tua salvação, a qual preparaste diante de
todos os povos: luz para revelação aos gentios, e para glória do teu povo de
Israel.” Lucas 2.30-32.
O ministério de
Jesus, segundo o evangelho de Lucas, explica a salvação e a promessa à Israel.
Mas só em Atos vemos a salvação de Deus que serve em formas significativas como
uma luz para revelação aos gentios.
- O TESTEMUNHO DA IGREJA
PRIMITIVA DA AUTORIA LUCANA:
Desde o quarto século a
igreja tem sempre reconhecido que Lucas é o autor de Atos-Lucas. Analisaremos
isso observando os manuscritos neotestamentários; bem como, o testemunho
epistolar dos pais da igreja.
- Os Manuscritos:
Nos anos de 1952
foi encontrado o famoso manuscrito conhecido como p75 (Papiro 75)
ele é datado do ano 175-200 d.C. Este manuscrito possui o escrito que
conhecemos como o Evangelho de Lucas e no final deste escrito encontramos a
seguinte expressão: EUAGGELION KATA LOUKAN (EUANGELION KATA LOUKAN – O Evangelho Segundo Lucas) este manuscrito certamente nos indica
que o terceiro evangelho foi escrito por Lucas e que por consequência também
ele é o autor do livro de Atos.
- Os Escritos
pós-apostólicos:
As evidencias
externas apontam para que Lucas tenha escrito Lucas-Atos é bastante forte,
conforme vemos nos informa Carson[7];
pois, o fragmento Muratoriano datado por volta de 170 a 190 d.C. coloca na sua
lista dos livros do Novo Testamento Lucas como autor de Atos dos Apóstolos;
Irineu na sua obra contra as heresias documenta este fato da autoria de Lucas
para Atos. E as palavras do manuscrito antimarcionistas em 160-180 são
esclarecedoras:
“Lucas é sírio,
natural de Antioquia, por profissão um médico. Foi discípulo dos apóstolos e
mais tarde acompanhou Paulo até o seu martírio. Serviu ao Senhor sem
distrações, sem esposa, sem filhos. À idade de 84 anos adormeceu na Beócia,
cheio do Espírito Santo”[8]
Outro personagem da História da Igreja que confirma ser
Lucas o autor de Atos é Eusébio de Cesárea em sua História Eclesiástica: “Lucas[...]fez menção dos censos em Atos”.
- O NOVO TESTAMENTO E BUSCA DO AUTOR DE ATOS DOS
APÓSTOLOS.
Agora precisamos olhar para o Novo Testamento e investigar se o mesmo
apresenta alguma indicação de que o Autor de Atos seja Lucas.
- Pistas
da autoria no Novo Testamento:
Vale salientar mais uma vez que tanto o Evangelho de Lucas quanto o livro
de Atos são anônimos e que não tem indicação alguma de sua autoria. Notamos no
capítulo 1.3 do Evangelho Lucano a seguinte declaração:
“igualmente a mim me pareceu bem,
depois de acurada investigação de tudo desde sua origem, dar-te por escrito,
excelentíssimo Teófilo, uma exposição em ordem,”
Vemos aqui que ele não cita seu próprio nome. Mas, uma coisa é certa Teófilo certamente o conhecia muito bem.
Esta questão da identificação da autoria não foi um problema para Teófilo, mas tem suscitado um debate
longo para nós. Mas, o Novo Testamento nos fala mais sobre o nosso autor:
1º Ele não é um
apóstolo:
“Visto que muitos houve que empreenderam uma narração
coordenada dos fatos que entre nós se realizaram, 2 conforme nos transmitiram os que
desde o princípio foram deles testemunhas oculares
Quando o autor diz “conforme nos transmitiram os que
desde o princípio foram testemunhas” está informando que ele não fora uma
testemunha ocular de tais fatos, logo não era um apóstolo.
2º Tanto Atos quanto o Evangelho partilham de
“semelhanças no estilo e na linguagem e compartilham de preferências teológicas”[9] F.F.
Bruce nos apresenta algumas dessas preferências: “Sentimentos católicos (i.e. universais), interesse
pelos gentios, importância às mulheres, tendências apologéticas semelhantes,
aparições do Cristo ressurreto limitadas à Judéia e o julgamento de Cristo
perante Herodes Antipas”[10]
- Lucas e as Informações sobre ele:
O autor é alguém
muito bem-educado o teólogo Barclay nos lembra:
Embora o Livro não diga, desde os primeiros tempos se
sustentou que Lucas é seu autor. Sabemos muito pouco a respeito de Lucas; só há
três referências a ele no Novo Testamento (Colossenses 4:14; Filemom 24; 2
Timóteo 4:11). Estas referências nos permitem assegurar duas coisas sobre ele.
Em primeiro lugar, Lucas era médico; segundo, era um dos colaboradores mais
apreciados por Paulo e um de seus amigos mais fiéis, porque foi seu companheiro
em sua última prisão. Podemos deduzir uma coisa: Lucas era um gentio.
Colossenses 4:11 inclui uma lista de menções e saudações àqueles que estão
circuncidados, quer dizer os judeus; e o versículo 12 começa com uma nova
lista, e concluímos naturalmente que sou tráfico de gentios. portanto nos
encontramos ante o interessante feito de que Lucas é o único autor gentil no
Novo Testamento. Poderíamos ter adivinhado que Lucas era um médico, porque
instintivamente utiliza termos médicos. No Lucas 4:35, quando fala do homem que
tinha o espírito de um demônio imundo, Lucas utiliza a frase:
"derrubando-o em meio deles", e a palavra que utiliza é o termo
médico correto para convulsões. No Lucas 9:38 descreve ao homem que pede a
Jesus: "Rogo-te que veja meu filho". A palavra que utiliza é o termo
convencional para a visita de um médico a um paciente. O exemplo mais
interessante da preferência do Lucas por termos médicos é um dito sobre o
camelo e o buraco da agulha. Três autores do Evangelho nos dão esse dito
(Mateus 19: 24; Marcos 10:25; Lucas 18:25). Para a palavra agulha tanto Marcos
como Mateus utilizam o termo grego raphis
que se refere à agulha de um alfaiate ou caseira; somente Lucas utiliza o termo belone que é o nome técnico da agulha
de um cirurgião. Lucas era médico, e os termos médicos fluíam naturalmente de
sua pluma.[11]
Conclusão:
Conforme temos
visto podemos aprender que o Autor de Atos é alguém cujo nome é Lucas. Não há
grandes contestações em ralação a posição tradicional da igreja em identificar
este escrito como vindo da pluma de Lucas o autor do Evangelho.
Descobrimos que
este livro é a segunda parte de um outro, ou seja, do terceiro Evangelho,
portanto, é uma continuação do primeiro. O título do Livro tem sido motivo de
especulações e de sugestões para a alteração do foco de estudo, pois, alguns
sugerem que este Livro deveria se chamar Atos
do Espírito Santo e outros preferem chamar o livro Atos de Jesus Cristo , já que parece indicar que tratar-se da
continuação da obra de Cristo pelo que se pode perceber dos versos iniciais deste
livro; entretanto, a igreja sempre entendeu que Livro trata da ação de Cristo em benefício da Igreja por meio do ministério apostólico.
[1] Ainda que MARSHALL
considere essa avaliação como algo de um leitor mediano, essa pressuposição
histórica básica é evidente (MARSHALL, I. Howard. Atos – Introdução e Comentário, São Paulo: Vida Nova, 1983, p.14).
[2]
Aqui referimo-nos ao fato da ascensão, pois, sabemos que Cristo reina desde os
dias da eternidade, e que quando ressuscitou Deus, O Pai lhe assegurou todo
poder (Mateus 28.18-19)
[3]Irineu,
Against Heresies 3.13.3; Clemente de Alexandria Stromata 5.82; Tertuliano,
Fasting 10. Os Códices Sinaiticus, Vaticanus e Bezae trazem essa
tradução. Manuscritos minúsculos fornecem extensões: “Atos dos Santos Apóstolos”
e “Atos dos Santos Apóstolos de Lucas o Evangelista”.
[4] Veja-Se KISTEMAKER, Simon.
Comentário a Atos – volume 1. São
Paulo: Cultura Cristã, 2003, p.17 – no qual ele contesta também essa tentativa
de colocar tal título no livro.
[5] KISTEMAKER, Simon. Comentário a Atos – volume 1. São
Paulo: Cultura Cristã, 2003, p. 40
[6] CARSON, D.A; MOO, Douglas; MORRIS,
Leon. Introdução ao Novo
Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1997, p.208
[9] PINTO, Carlos Osvaldo. Foco e Desenvolvimento no Novo Testamento.
São Paulo: Editora Hagnos, 2008, p.109
[10] BRUCE, F.F. The Acts of the Apostles, p. 2
[11]
BARCLAY, William. Atos. Tradução:
Carlos Biagini. Disponível em: http://www.iprichmond.com/atos
acessado em 07/03/2017.