A REJEIÇÃO DE ISRAEL
Por: Rev. David Chilton
Tradução: Rev. João Ricardo Ferreira de França.
Ele
era como os que foram enviados pelo dono da casa para que recebessem os frutos
da vinha dos lavradores; porque exortava a todos os homens a retomar o
interesse. Porém, Israel o desprezou e não quis retornar, pois sua vontade não
era correta, e além do mais mataram aos que haviam sido enviados, e nem sequer
se detiveram de atentar contra o senhor da vinha, mas que o mataram. Certamente,
quando chegou e não encontrou fruto neles, lhes maldisse por meio da figueira,
dizendo; “Nunca mais nasça fruto de ti” [ Mateus 21.19]; e a figueira ficou
morta, sem frutos, de forma que até os discípulos se maravilharam quando a
figueira secou. Então se cumpriu o que foi dito pelo profeta: “Farei cessar
entre eles a voz de folguedo e a de alegria, e a voz do noivo, e a da noiva, e
o som das mós, e a luz do candeeiro.” (Jeremias 25.10 ARA). Porque a
obra completa da lei tem sido abolida entre eles, e de agora em diante e para
sempre permanecerão sem festas.
Atanásio, Letters
[vi]
Ler a Bíblia em termos do tema do
paraíso pode aprofundar nossa compreensão sobre duas passagens mais familiares
da Escritura. De repente, podemos entender por que, por exemplo, o Salmo 80 e
Isaías 5 descrevem o povo do pacto como
“a vinha do Senhor”. Como temos visto, este era uma recordação do estado
original do homem em comunhão com Deus no Éden. Também era um lembrete de que,
quando Deus salva o seu povo, lhe constitui em Jardim renovado (ou vinha
renovada), e assim, os escritores bíblicos usavam repetidas vezes as imagens de
plantar, árvores, vinhas, e frutos para descrever a salvação em seus vários
aspectos (João 15 é um exemplo bem conhecido). Contudo, também é importante
reconhecer que as imagens do Jardim podem se usar para descrever a apostasia e
a maldição, porque a primeira violação do pacto teve lugar no Éden. Deus havia
dado a Adão uma comissão para que cultivasse e guardasse sua “vinha”; em lugar
disso, Adão se havia rebelado contra o dono da terra, e havia sido amaldiçoado
e expulso, perdendo sua herança. Esta imagem dupla da vinha como lugar, tanto
de benção como de maldição, é um importante conceito na Bíblia, e se converteu
no cenário de uma das mais notáveis parábolas de Jesus, a história dos
lavradores maus ( Salmos 80 e Isaias 5 devem ser lidos junto com isto).
Havia
um homem, dono de casa, que plantou uma vinha. Cercou-a de uma sebe, construiu
nela um lagar, edificou-lhe uma torre e arrendou-a a uns lavradores. Depois, se
ausentou do país. Ao tempo da colheita, enviou os seus servos aos lavradores,
para receber os frutos que lhe tocavam.
E os lavradores, agarrando os servos, espancaram a um, mataram a outro e
a outro apedrejaram. Enviou ainda outros
servos em maior número; e trataram-nos da mesma sorte. E, por último,
enviou-lhes o seu próprio filho, dizendo: A meu filho respeitarão. Mas os
lavradores, vendo o filho, disseram entre si: Este é o herdeiro; ora, vamos,
matemo-lo e apoderemo-nos da sua herança. E, agarrando-o, lançaram-no fora da
vinha e o mataram.
(Mateus 21.33-39 ARA)
Em sua graça, Deus havia enviado
profetas a Israel ao longo de sua história, e os homens de Deus sempre havia
sido tratados aleivosamente. “Foram apedrejados, provados, serrados pelo meio,
mortos a fio de espada; andaram peregrinos, vestidos de peles de ovelhas e de
cabras, necessitados, afligidos, maltratados (homens dos quais o mundo não era
digno), errantes pelos desertos, pelos montes, pelas covas, pelos antros da
terra.” (Hebreus 11.37-38 ARA). O fato é que Israel havia rejeitado
consistentemente a palavra de Deus e maltratando aos profetas, desde o começo.
Como lhes acusou Estevão (justamente antes de ser assassinado pelos líderes
judeus): “Homens de dura cerviz e
incircuncisos de coração e de ouvidos, vós sempre resistis ao Espírito Santo;
assim como fizeram vossos pais, também vós o fazeis. Qual dos profetas vossos
pais não perseguiram? Eles mataram os que anteriormente anunciavam a vinda do
Justo, do qual vós agora vos tornastes traidores e assassinos,” (Atos 7.51-52 ARA).
O maléfico tratamento dos profetas
por parte de Israel alcançou seu clímax no assassinato do Filho de Deus, como
Jesus predisse em sua parábola. Logo perguntou a seus ouvintes:
Quando,
pois, vier o senhor da vinha, que fará àqueles lavradores? Responderam-lhe:
Fará perecer horrivelmente a estes malvados e arrendará a vinha a outros
lavradores que lhe remetam os frutos nos seus devidos tempos. Perguntou-lhes
Jesus: Nunca lestes nas Escrituras: A pedra que os construtores rejeitaram,
essa veio a ser a principal pedra, angular; isto procede do Senhor e é
maravilhoso aos nossos olhos? Portanto, vos digo que o reino de Deus vos será
tirado e será entregue a um povo que lhe produza os respectivos frutos.
(Mateus 21.40-43 ARA)
Os judeus haviam pronunciado sua
própria sentença de condenação. E certamente, a vinha lhes seria tirada; o
Senhor viria e lhes destruiriam, e daria a vinha a trabalhadores obedientes que
lhe redesse o fruto que Ele desejava. O reino seria tirado dos judeus e dado a
outras “pessoas”. Quem seriam estas
pessoas? Depois de citar o mesmo texto do Antigo Testamento que Jesus havia usado, o apóstolo Pedro deu a
resposta definitiva, escrevendo à igreja:
Vós,
porém, sois raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade
exclusiva de Deus, a fim de proclamardes as virtudes daquele que vos chamou das
trevas para a sua maravilhosa luz; vós, sim, que, antes, não éreis povo, mas,
agora, sois povo de Deus, que não tínheis alcançado misericórdia, mas, agora,
alcançastes misericórdia.
(1ª Pedro 2.9-10 ARA)
O argumento decisivo é que Deus
havia usado esta mesma linguagem ao falar para o povo do pacto, Israel, no
Monte Sinai. “sereis a minha propriedade peculiar dentre todos os povos [...] vós
me sereis reino de sacerdotes e nação santa.” (Êxodo 19.5-6 ARA).
Pedro disse que aquilo que uma vez era verdade com respeito a Israel, agora e
para sempre é verdadeiro com respeito à igreja. Israel era um jardim, uma
vinha, em rebeldia contra seu dono ou, para mudar a metáfora, uma arvora sem
frutos, como disse Jesus em outra parábola:
Certo
homem tinha uma figueira plantada na sua vinha e, vindo procurar fruto nela,
não achou. Pelo que disse ao viticultor: Há três anos venho procurar fruto
nesta figueira e não acho; podes cortá-la; para que está ela ainda ocupando
inutilmente a terra?Ele, porém, respondeu: Senhor, deixa-a ainda este ano, até
que eu escave ao redor dela e lhe ponha estrume. Se vier a dar fruto, bem está;
se não, mandarás cortá-la.
(Lucas
13.6-9 ARA)
Jesus,
o senhor da vinha, passou os três anos de seu ministério viajando por Israel
buscando frutos. Agora era tempo de “corá-lo”. João, o Batista havia advertido
aos judeus, ainda antes que Jesus começasse seu ministério, que a vinha de Israel
estava-lhe terminando o seu tempo:
Produzi,
pois, frutos dignos de arrependimento; e não comeceis a dizer entre vós mesmos:
Temos por pai a Abraão; porque eu vos afirmo que destas pedras Deus pode
suscitar filhos a Abraão. Já está posto o machado à raiz das árvores; toda
árvore, pois, que não produz bom fruto é cortada e lançada ao fogo.
(Mateus 3.8-10 ARA)
Este era o problema com Israel.
Ainda que os judeus tivessem dado boas-vindas a Jesus em Jerusalém fazendo-o
andar sob os ramos de árvores como reconhecimento de sua vinda e restauração do
Éden. (Mateus 21.8-9), os ramos não
tinham frutos. De maneira interessante, a mesma passagem continua e mostra
o que sucedeu depois que Jesus se foi de Jerusalém. Enquanto caminhava,
encontrou uma figueira e buscou frutos, porém não encontrou nenhum. Assim
prontamente amaldiçoou a figueira, dizendo: “Nunca mais nasça frutos de ti”. E
imediatamente a figueira secou (Mateus 21.18-19). O mesmo ocorrerá ao Israel
estéril e impenitente.
A Geração Terminal
Claro que, a culpa recaiu
principalmente nos líderes do Israel, os cegos guias dos cegos, que conduziam a
nação inteira para o buraco (Mateus 15.14). Por isso, Jesus diria
particularmente suas acusações iradas contra eles (veja-se Mateus 23). Porém
incluía também ao povo em geral em sua condenação, como podemos ver nas
palavras finais de sua última mensagem pública:
Ai
de vós, escribas e fariseus, hipócritas, porque edificais os sepulcros dos
profetas, adornais os túmulos dos justos e dizeis: Se tivéssemos vivido nos
dias de nossos pais, não teríamos sido seus cúmplices no sangue dos profetas!
Assim, contra vós mesmos, testificais que sois filhos dos que mataram os
profetas. Enchei vós, pois, a medida de vossos pais. Serpentes, raça de
víboras! Como escapareis da condenação do inferno? Por isso, eis que eu vos
envio profetas, sábios e escribas. A uns matareis e crucificareis; a outros
açoitareis nas vossas sinagogas e perseguireis de cidade em cidade; para que
sobre vós recaia todo o sangue justo derramado sobre a terra, desde o sangue do
justo Abel até ao sangue de Zacarias, filho de Baraquias, a quem matastes entre
o santuário e o altar. Em verdade vos digo que todas estas coisas hão de vir sobre a presente geração.
(Mateus 23.29-36 ARA)
Os pecados de Israel, suas rebeliões
e suas apostasias, se haviam estado acumulando por séculos, enchendo o cálice
até transbordar. O ponto crítico chegou quando veio o Filho. Sua rejeição dEle
selou sua sorte, e por sua vez foram rejeitados por Deus. A geração que
crucificou ao Senhor e perseguiu seus apóstolos era a verdadeira “geração
terminal”. Israel, como o povo do pacto, havia de ser destruído, final e
irrevogavelmente. Havia recebido a advertência final. Anos mais tarde, pouco
antes de que o holocausto do ano 70 d.C. descesse sobre Israel, o apóstolo
Paulo escreveu que “os judeus, os quais não somente mataram o Senhor Jesus e os
profetas, como também nos perseguiram, e não agradam a Deus, e são adversários
de todos os homens, a ponto de nos impedirem de falar aos gentios para que
estes sejam salvos, a fim de irem enchendo sempre a medida de seus pecados. A
ira, porém, sobreveio contra eles, definitivamente”. (1ª
Tessalonicenses 2.14-16 ARA)
Como nação, Israel havia se
convertido em apóstata, uma prostituta espiritual em rebeldia contra seu Esposo
(veja-se Ezequiel 16). As terríveis palavras de Hebreus 6.4-8 se aplicam
literalmente à nação do pacto, que havia renunciado a sua primogenitura:
É
impossível, pois, que aqueles que uma vez foram iluminados, e provaram o dom
celestial, e se tornaram participantes do Espírito Santo, e provaram a boa
palavra de Deus e os poderes do mundo vindouro, e caíram, sim, é impossível
outra vez renová-los para arrependimento, visto que, de novo, estão
crucificando para si mesmos o Filho de Deus e expondo-o à ignomínia. Porque a
terra que absorve a chuva que freqüentemente cai sobre ela e produz erva útil
para aqueles por quem é também cultivada recebe bênção da parte de Deus; mas,
se produz espinhos e abrolhos, é rejeitada e perto está da maldição; e o seu
fim é ser queimada.
A mesma multidão que deu boas-vindas
a Jesus em Jerusalém com hosanas clamou
por seu sangue em menos de uma semana. Como todos os escravos, sua atitude era
inconstante; porém, finalmente, sua atitude se resumiu em outras parábolas de
Jesus: “Não queremos que este reine sobre nós.” (Luca 19.14 ARA) Os
principais sacerdotes revelaram a fé da nação quando negaram veementemente o
senhorio de Cristo e afirmaram: “Não temos rei, senão César!” (João 19.15 ARA).
Assim que o povo do pacto herdou a
maldição. Haviam feito os ramos ondularem direção do filho do dono quanto
entrou na vinha, aparentemente para dar-lhe boas-vindas em sua propriedade
legal; mas, quando Ele chegou mais perto e inspecionou os ramos, não encontrou
nenhum fruto – somente folhas. Para conservar o modelo que temos visto em nosso
estudo do Jardim do Éden, Israel estava maduro para ser julgado, deserdado, e
expulso da vinha.
Porém, não somente tinha os exemplos
do Éden, o dilúvio, Babel, e outros juízos históricos como admoestações. Por
meio de Moisés, Deus havia dito especificamente que a maldição cairia sobre
eles se apostassem da verdadeira fé. Faríamos bem em recordar para nós mesmos
as advertências de Deuteronômio 28, onde Deus ameaça com a perda da família e
as possessões, ser assolados por diversas enfermidades, sofrer a causa da
guerra e a opressão por uma nação pagã vitoriosa, voltar-se ao canibalismo por
causa da fome tremenda, e ser vendidos como escravos e dispensados sobre a face
da terra.
Assim como o SENHOR se
alegrava em vós outros, em fazer-vos bem e multiplicar-vos, da mesma sorte o
SENHOR se alegrará em vos fazer perecer e vos destruir; sereis desarraigados da
terra à qual passais para possuí-la. O SENHOR vos espalhará entre todos os
povos, de uma até à outra extremidade da terra. Servirás ali a outros deuses
que não conheceste, nem tu, nem teus pais; servirás à madeira e à pedra. Nem
ainda entre estas nações descansarás, nem a planta de teu pé terá repouso,
porquanto o SENHOR ali te dará coração tremente, olhos mortiços e desmaio de
alma. A tua vida estará suspensa como por um fio diante de ti; terás pavor de
noite e de dia e não crerás na tua vida. Pela manhã dirás: Ah! Quem me dera ver
a noite! E, à noitinha, dirás: Ah! Quem me dera ver a manhã! Isso pelo pavor
que sentirás no coração e pelo espetáculo que terás diante dos olhos.
(Deuteronômio 28.63-67 ARA)
A causa de Israel haver cometido o supremo ato de
violação do pacto ao rejeitar a Cristo, o próprio Israel foi rejeitado por
Deus. As terríveis maldições pronunciadas por Jesus, Moisés, e os profetas se
cumpriram na terrível destruição de Jerusalém, na desolação do templo e a
desaparecimento da nação do pacto no ano 70 d.C. (veja-se o Apêndice B para ler
a descrição deste evento, e compará-la com as maldições descritas em
Deuteronômio 28). Tal como Deus havia prometido, o reino foi realmente
estabelecido quando Cristo veio. Porém, em vez de abarcar e assimilar em sua
estrutura ao Antigo Israel, o reino veio e fez pó a Israel. O novo templo de
Deus, a igreja, foi estabelecido quando o antigo templo foi derribado e
reduzido a escombros.