quarta-feira, 3 de setembro de 2025

O ENSINO DA CESSAÇÃO DA REVELAÇÃO ESPECIAL NA CONFISSÃO DE WESTMINSTER

 O Ensino da Confissão de Westminster

sobre a Cessação da Revelação Especial

Por David F. Coffin, Jr.

Tradução: Rev. João Ricardo Ferreira de França.

De acordo com o capítulo um da Confissão de Fé de Westminster, Deus, em várias épocas no passado, revelou aquele conhecimento de [Si mesmo] e de sua vontade, o qual é necessário para a salvação. (1.1) Ao longo da história redentora, aprouve ao Senhor, em diversas épocas e de várias maneiras, revelar-Se e declarar Sua vontade à Sua Igreja. (1.1) Ele agora CESSOU de empregar esses meios: aqueles modos antigos de Deus revelar Sua vontade ao Seu povo estão agora cessados. (1.1) Por isso, a Sagrada Escritura... [é] sumamente necessária... (1.1)

Nesta seção, a necessidade da Escritura é “assim fundamentada na insuficiência da revelação natural e na cessação da revelação sobrenatural...”[1] ¹ Assim argumentava o Bispo Ussher, cujos Artigos Irlandeses de Religião são amplamente reconhecidos como a fonte imediata mais importante do capítulo sobre a Sagrada Escritura², e cujo Corpo de Divindade, um dos “principais manuais dogmáticos populares da época,”³ tem uma linguagem paralela à Confissão de Fé tão próxima “que é difícil acreditar que não tenha influenciado parte do conteúdo ou até mesmo da fraseologia.”⁴ Ussher argumentava que:

“...estando todo o Cânon das Escrituras plenamente concluído, nós e todos os homens, até o fim do mundo, estamos deixados para obter nossa plena instrução a partir dele, **sem esperar revelações extraordinárias, como em tempos passados... oráculos e visões... mas agora estas, juntamente com todas as outras revelações extraordinárias, cessaram.”

De acordo com a Confissão de Fé, o cânon das Escrituras é identificado pela inspiração dos livros. Sob o nome de Sagrada Escritura... agora estão contidos todos os livros do Antigo e Novo Testamentos... todos os quais são dados por inspiração de Deus, para serem a regra de fé e prática. (1.2) Os livros apócrifos são excluídos do cânon porque não são inspirados. Os livros vulgarmente chamados Apócrifos, não sendo de inspiração divina, não fazem parte do cânon da Escritura... (1.3) A autoridade do texto não decorre de seu status canônico, mas do fato de que, sendo inspirado, é a própria Palavra de Deus. A autoridade da Sagrada Escritura... depende... inteiramente de Deus (que é a própria verdade), seu autor; e por isso deve ser recebida, porque é a Palavra de Deus. (1.4) Em suma, é o caráter inspirado, ou soprada por Deus, de um texto que estabelece sua canonicidade, autoridade e necessidade, sendo agora cessados os modos de inspiração.

Um crente é persuadido de que a Escritura é a Palavra de Deus quando o Espírito Santo trabalha em seu coração para fazê-lo ver a evidência da inspiração da Escritura. A Sagrada Escritura... se evidencia abundantemente como sendo a Palavra de Deus; contudo, nossa plena persuasão... vem do trabalho interior do Espírito Santo, testificando com e pela Palavra em nossos corações. (1.5) Aqui, o Espírito Santo trabalha para abrir nossos olhos ao que já está no texto. Nada é acrescentado a ele.

Segundo a Confissão, a Escritura (ou seja, o conjunto de escritos inspirados) é suficiente para conhecer tudo o que Deus deseja que seja conhecido para Sua própria glória e para a salvação, fé e vida do homem. Todo o conselho de Deus, a respeito de todas as coisas necessárias para Sua glória, a salvação do homem, fé e vida, está ou expressamente declarado na Escritura, ou pode, por boa e necessária consequência, ser deduzido dela... (1.6) Portanto, nada, por qualquer meio, seja por novas revelações do Espírito [contra os sectários] ou tradições humanas [contra Roma] (1.6), deve ser aceito como autoridade juntamente com a Escritura, à qual nada deve ser acrescentado em tempo algum... (1.6)

Neste ponto, "novas revelações do Espírito" devem significar supostas novas revelações, pois o caráter de um texto como revelação do Espírito (ou seja, inspirado) é justamente o que o qualifica como Escritura. Assim argumentou o teólogo Edward Reynolds, da Assembleia de Westminster:

“O Espírito não revela a verdade para nós como fez na manifestação primitiva aos profetas e apóstolos — por inspiração divina e imediata, ou por simples entusiasmo: mas o que Ele revela, Ele o faz pela e a partir das Escrituras...

Além disso, ao dizer “acrescentar”, os teólogos não estão apenas proibindo a adição de páginas ao fim de um livro, mas se opõem a qualquer suplementação prática daquilo que é necessário para a glória de Deus, salvação do homem, fé e vida — frase que compreende todo o chamado do crente.

Contudo, embora tudo que seja objetivamente necessário esteja no texto inspirado, o Espírito de Deus é subjetivamente necessário para aquela iluminação que nos permite ver salvíficamente o que está lá. Contudo, reconhecemos que a iluminação interior do Espírito de Deus é necessária para o entendimento salvífico das coisas reveladas na Palavra... (1.6)

Por fim, a Escritura é confessada como o juiz supremo de todas as controvérsias religiosas. Onde houver controvérsias — seja por declarações divergentes de igrejas, ensinos de teólogos ou “espíritos particulares” — a decisão se encontra somente na Palavra do Espírito Santo falando na Escritura. O juiz supremo pelo qual todas as controvérsias religiosas devem ser resolvidas, e todos os decretos de concílios, opiniões de escritores antigos, doutrinas humanas e espíritos particulares examinados, e cuja sentença deve ser final, não pode ser outro senão o Espírito Santo falando na Escritura. (1.10) Assim também argumentava Reynolds:

“As Escrituras... são a única regra de todas as controvérsias... Então, a única luz pela qual as diferenças devem ser decididas é a Palavra, sendo um cânon completo da vontade revelada de Deus: pois o Senhor não se dá a conhecer agora, como fazia antigamente, por sonhos, visões ou qualquer outro meio imediato.”

Outro dos teólogos afirmou:

“Como os cristãos podem consultar a Deus em suas dúvidas, como Israel fazia nas deles? Devo responder brevemente, e com as palavras do próprio Deus: ‘À lei e ao testemunho’: à Palavra escrita de Deus... **Agora não há outro meio de consultar a Deus senão somente por Sua Palavra.”**

Esses testemunhos continuam uma tradição bem estabelecida de interpretação puritana a respeito da ligação entre a cessação dos modos de revelação e a suficiência da Escritura, como ensinado por mestres como William Whitaker, mestre do St. John’s College, Cambridge, cuja Disputatio on Holy Scripture foi demonstrada por Dr. Wayne Spear como uma importante fonte teológica dos padrões, particularmente o capítulo sobre a Escritura.¹ Whitaker ensinava que:

“Deus não nos ensina agora por visões, sonhos, revelações, oráculos, como antigamente, mas somente pelas Escrituras; e por isso, se quisermos ser salvos, é necessário conhecermos as Escrituras.”¹¹

Para concluir: a Confissão fala da cessação dos modos de revelação, e não apenas do fim de acréscimos ao cânon. Se os modos continuassem, o cânon estaria aberto. É porque os modos cessaram que não pode haver adições ao cânon. Assim comenta David Dickson no primeiro comentário à Confissão de Fé:

“Estes modos antigos de Deus revelar Sua vontade ao Seu povo cessaram agora? Sim. Então, os entusiastas e Quakers não estão errados ao manter que o Senhor ainda revela Sua vontade como antes? Sim. Por quais razões são refutados? Porque Deus, que em diversos tempos e de várias maneiras falou antigamente aos pais pelos profetas, nestes últimos dias nos falou pelo Filho, Hebreus 1:1-2... Os modos e maneiras antigas foram: primeiro, inspiração; segundo, visões; terceiro, sonhos; quarto, Urim e Tumim; quinto, sinais; sexto, voz audível. Todos os quais terminam na Escritura escrita, o modo mais seguro e infalível de Deus revelar Sua vontade ao Seu povo.”¹²

Um último testemunho da verdade vem de um inimigo: que a Confissão ensina a cessação dos modos de revelação era também o entendimento de alguns opositores contemporâneos de seu ensino. William Parker, em sua crítica de 1651 à Confissão de Fé e suas “excessos e defeitos, confusões e desordens,” começa pelo capítulo 1, criticando a expressão “modos cessados”. Ele se queixa de que os teólogos, ao negarem os antigos “modos” — significando “extraordinários como sonhos, visões, inspiração e semelhantes, pelos quais Deus revelava Sua vontade aos profetas e apóstolos antigos” — estão muito equivocados.¹³ Em sua visão, ao contrário, “o Senhor terá profetas em todas as eras... esses modos extraordinários de Deus revelar-se nunca cessaram.”¹⁴

Nota final: a Assembleia Geral da Igreja Presbiteriana na América afirmou claramente seu acordo com o ensino da Confissão de que os modos de revelação cessaram:

“[Apenas afirmar que o cânon está fechado, e que supostas novas revelações de Deus não acrescentam nada ao depósito de verdade encontrado na Escritura, não abrange todas as negações quanto à nova revelação encontradas em WCF I, 1, 6, e BCO 7-1. Essas declarações dos padrões também negam a ideia de que quaisquer modos extraordinários ainda continuem além da Escritura como formas pelas quais Deus verbalmente revela Sua vontade ao Seu povo.]”¹

“Não apenas o cânon das Escrituras está fechado, mas nenhum dom deve ser permitido que tenha o efeito prático de funcionar como uma fonte normativa de verdade ou instrução divina de Deus, ao lado da voz do Espírito Santo falando nas Escrituras.”¹

Notas de Rodapé

  1. Benjamin B. Warfield, The Westminster Assembly and Its Work (Cherry Hill, NJ: Mack Publishing Company, 1972), p. 195.
  2. Ibid., p. 169.
  3. Ibid., p. 176.
  4. Ibid., p. 177.
  5. James Ussher, Body of Divinity (London, 1645), pp. 6-7.
  6. Edward Reynolds, Works, vol. V (1826), pp. 152-153.
  7. Ibid.
  8. John Lightfoot, Works, ed. Pitman, vol. 6, p. 286.
  9. Whitaker foi professor de William Perkins, e tio de William Gouge, um dos principais membros da Assembleia.
  10. Wayne Spear, em artigo comemorativo dos 350 anos da Assembleia de Westminster (a ser publicado).
  11. Guilielmo Whitakero, Disputatio De Sacra Scriptura (1610); ET, A Disputation on Holy Scripture, Against the Papists... (Cambridge: The University Press, 1849), p. 521.
  12. David Dickson, Truth’s Victory Over Error (1684).
  13. William Parker, Late Assembly of Divines Confession of Faith Examined (London, 1651), p. 6.
  14. Ibid., p. 8.
  15. M8GA, p. 93.
  16. M16GA, p. 215.


[1] Benjamin B. Warfield, The Westminster Assembly and Its Work (Cherry Hill, NJ: Mack Publishing Company, 1972), p. 195.

 

domingo, 4 de fevereiro de 2024

A CERTEZA DA GRAÇA E DA SALVAÇÃO.

 

A CERTEZA DA GRAÇA E DA SALVAÇÃO.

Rev. João França

 

A confissão de fé de Westminster, padrão de fé da Igreja Presbiteriana, possui duas doutrinas muito preciosas para nós cristãos reformados e bíblico, os capítulos são o capítulo 17 que trata da doutrina da Perseverança dos Santos e o capítulo 18 trata da Certeza da Graça e da Salvação. Nesta breve palavra desejo-lhes apresentar a questão da certeza da graça e da salvação, doutrina esta fundamentada nas Escrituras Sagradas e apresentadas na CFW. O capítulo 18 da CFW sumariza três verdades sobre este assunto:

1.     A possibilidade da segurança (seção 1)

2.     O fundamento da segurança (Seção 2)

3.     O cultivo da segurança (seção 3)

4.     Renovação da segurança (seção 4)

Na seção 1ª a CFW nos apresenta uma tríplice possibilidade, as saber: (I) A possibilidade de falsa segurança; (II) a possibilidade da verdadeira segurança; (III) A possibilidade de falta de segurança.

Aqui estamos diante de verdades importantes  para a nossa vida cristã. A grande questão é como podemos considerar a irmandade daqueles que não professam crer nas mesmas verdades que nós? Bem, a nossa CFW que não é exclusivista, bem como todo o presbiteriano não é, advoga que há sim uma forma como considerar a irmandade e como lidar coma estas questões. Quando olhamos para a nossa CFW e a para Bíblia vemos que em muitos casos há pessoas que pensam serem salvas e não são! Estão em nossos arraias e não são – a Confissão de fé vai chamar isso de falsa segurança; por isso, há a necessidade de estamos vigiando o nosso coração (Jeremias 17.9 e Mateus 7.23)

A segunda consideração que a primeira sessão da CFW nos coloca é o da “possibilidade da verdadeira segurança” - aqui somos alentados em saber que esta possibilidade só é possível em Cristo! Se alguém confia unicamente em Cristo para sua salvação, sim, ele é salvo, não importa se é calvinista ou não! Ele pode ser salvo e ter uma segurança de sua salvação; conquanto, em temos doutrinários calvinista e Arminianos não professem as mesmas verdades (os chamados cinco pontos) se ambos centralizam sua vida e fé na pessoa de Cristo, ambos têm Cristo como Senhor, eles possuem “verdadeira segurança em Cristo” 2ª Pedro 1.10 é alentador neste sentido. Uma terceira possibilidade presente na CFW é a possibilidade da falta de segurança. Aqui tem sido um ponto crucial. Sabemos que há aqueles irmãos de tradição arminiana, com quem convivemos, que por mais que se fale para eles a respeito da perseverança dos santos, eles não creem, não aceitam e ainda julgam como doutrina demoníaca, porém quando olhamos para a vida piedosa deles vemos, que eles são de fato crentes em Jesus Cristo; esta ausência de consciência da graça salvadora e da certeza salvadora pode atingir inclusive calvinista. Como? Sua ausência aos meios de graça, aos cultos, ou não está de baixo da pregação da Palavra de Deus. Tem esta certeza muitas vezes enfraquecida, diminuída. A ausência de consciência da certeza de salvação é comum quando não se nutre a vida espiritual do cristão, seja ele de vertente arminiana ou calvinista. Conquanto não existe um laço de irmandade entre arminianos e calvinista do  ponto da doutrina; ainda, assim existe um laço na pessoa e na obra do redentor Jesus Cristo. E, a doutrina aqui enunciada nos lembra sempre isso!

 

terça-feira, 11 de julho de 2023

AS INSTITUTAS DA RELIGIÃO CRISTÃ DE CALVINO: SEU CONTEXTO HISTÓRICO.

AS INSTITUTAS DA RELIGIÃO CRISTÃ DE CALVINO: SEU CONTEXTO HISTÓRICO.

Rev. João Ricardo Ferreira de França

INTRODUÇÃO:

             A história da igreja tem personagens significativos em seu rol. Há ilustres nomes ao longo do tempo desde os grandes heróis da fé conforme registra Hebreus capítulo de número onze até missionários que são martirizados por testemunhar sua fé! Nessa tão densa nuvem de testemunhas, de heróis, de homens compromissados com o Evangelho, existe um homem conhecido como João Calvino (1509-1564), no cenário atual tem se escrito uma gama de biografias, artigos, teses sobre a sua pessoa e sua vida.

            A teologia de Calvino tem sido discutida e debatida em duas fontes principais, a primeira, é a sua coleção de comentários bíblicos que abarcam tanto o Antigo quanto o Novo Testamentos – uma fonte de consulta e pesquisas constantes; a outra é aquilo que tem sido considerada a opus Magnum de Calvino:  As Institutas da Religião Cristã. Neste estudo pretendemos considerar o contexto no qual as Institutas foram escritas. A razão para este estudo é que muitos ditos herdeiros da fé Reformada ou Calvinista passam pelo seminário teológico sem nunca ter uma cadeira especifica (uma disciplina) que aborda o conteúdo desta obra de João Calvino.

I – CALVINO: SUA VIDA.

            O reformador francês nasceu no dia 10 de julho de 1509 na cidade de Noyon, na França. Seu pai era um administrador financeiro do palácio do bispo católico da diocese de Noyon (LAWSON, 2007, p.18). O pai o havia criado para o sacerdócio, pois, naquele tempo isso era bastante rentável. Calvino ingressou na Universidade de Paris com o objetivo de estudar teologia, isto aos 14 anos de idade, para ter a preparação formal, e então, torna-se um sacerdote católico romano; aos 17 anos Calvino graduou-se em mestre em ciências humanas (Ibid, p.19).

            O pai de Calvino, após, um desentendimento com as autoridades eclesiásticas de Noyon decide colocar o filho para estudar Direito na universidade de Orleáns (1528), Calvino como um filho obediente, assim o fez. Porém, o Pai de Calvino morre em 1531; então, o futuro reformador mudou a direção de seus estudos para a literatura clássica que era a sua paixão. Seu primeiro comentário foi sobre uma obra clássica “De Clementia” do filósofo romano Seneca. Este comentário de Calvino foi a sua tese de doutorado do futuro teólogo reformador de Genebra. (LAWSON, 2007, p.20)

II – O CONTEXTO DAS INSTITUTAS DA RELIGIÃO CRISTÃ

            A conversão de Calvino à fé evangélica foi uma súbita conversão a Cristo, “onde as amarras do papado”, conforme ele descreve em seu prefácio ao comentário do livro de Salmos, esta conversão ele a descreve de um modo quase que poético:

Minha mente, que, a despeito de minha juventude estivera por demais empedernida em tais assuntos, agora estava preparado para uma atenção séria por uma súbita conversão, Deus transformou-a e a trouxe-a à docilidade (GEORGE, 1994, p.31)[1]

            A Conversão de Calvino deu um novo ar as perspectivas do avanço da Reforma tanto em Genebra como na França.

a)     O Nascimento das Institutas:

A primeira edição das Institutas foi em 1536.  Desde o princípio deve-se ressaltar que o surgimento desta obra se deu pelo incentivo de um amigo de Calvino chamado Louis du Tillet, Calvino ficou certa vez hospedado em sua casa onde produziu “grande parte de seu livro as institutas”, porém, este amigo de Calvino posteriormente se voltou para o romanismo.[2]

 O próprio Calvino escreveu como uma cartilha para instruir os cristãos novos na fé. Ela (as institutas) alguns anos após o fracasso literário de Calvino com a obra “De Clementia” este datado de 1532. A obra de Calvino o “De Clementia” foi uma espécie de desapontamento para seu autor, e, até mesmo em sacrifícios financeiros não compensados, um evidente fracasso, por tanto. (FERREIRA, 1985, p.142) O livro não se vendia. “Quase ninguém tomou conhecimento de sua publicação.” (HALSEMA, 2009, p.28).

Alguém já disse que o caminho da providência gerou o “insucesso do ‘De Clementia’ para aniquilar o humanista que começara a repontar em Calvino e dele fazer um teólogo consumado que havia de ser, nas Institutas” (FERREIRA, 1985, p.142). E, assim, temos o nascimento das Institutas como uma cartilha para orientar aos cristãos protestantes na vida de piedade.

b. O Título da Obra:

Nos compete também considerar o título da Opus Magnum  de Calvino conforme considerada neste artigo. O título que o Reformador deu a sua obra magna foi: O Ensino Básico da Religião Cristã, compreendendo quase a soma total da piedade do que é necessário conhecer sobre a Doutrina da Salvação. Um Trabalho recém-publicado que muito merece ser lido por todos os que estudam a Piedade. Um Prefácio ao mais cristão Rei da França, oferecendo a ele este livro como uma Confissão de Fé do autor, Jean Calvin de Noyon(GEORGE, 1994, p.177)[3] O que se destaca no título no título da obra são quatro princípios básicos:

1.     As Institutas seria um manual básico da fé protestante;

2.     As Institutas visavam fomentar a piedade cristã nos caminhos da salvação;

3.     As Institutas tem um caráter apologético;

4.     As Institutas chegam com força de uma confissão de fé.

Estes princípios são tão notórios que que o próprio Calvino resumiu a obra, em sua primeira edição, dando-lhe o título de Breve Instrução, que serviu como uma confissão de fé da Igreja de Genebra.

III – A ESTRUTURA TEOLÓGICA DAS INSTITUTAS.

            Consideremos agora a estrutura teológica das Institutas da Religião Cristã. A primeira edição das Institutas consistia de uns poucos seis capítulos, que podem ser estruturados do modo com segue:

1.     A Lei de Deus – Uma Breve Exposição dos Dez Mandamentos;

2.     A Fé – Uma sucinta Exposição do Credo Apostólico;

3.     A Oração – Apresenta-se uma exegese da oração dominical (O Pai Nosso);

4.     Os Sacramentos - Calvino discute a doutrina do Batismo e da Eucaristia (Santa Ceia)

5.     Os Cinco Sacramentos adicionais -  Calvino de forma apologética refuta os cinco sacramentos adicionais dos romanistas;

6.     A Liberdade Cristã e a Igreja – Aqui o Reformador Francês  toca em três delicados temas para a época:

a.      A Liberdade Cristã e de consciência;

b.     A política Eclesiástica;

c.      O Magistrado Civil.

Com os passar dos anos a mente de Calvino e a sua pena foram maturando suas ideias e as Institutas foi ganhando corpo, chegando a uma edição final em 1559. Composta com quatro volumes com um esquema teológico mais abrangente e completo para a instrução na fé reformada. Seu esquema de organização ficou como segue:

VOLUME I – O CONHECIMENTO DE DEUS, O CRIADOR:

1.     O conhecimento duplo de Deus;

2.     As Escrituras;

3.     A Trindade;

4.     A Criação;

5.     A Providência.

VOLUME II – O CONHECIMENTO DE DEUS, O REDENTOR:

1.     A queda, Pecaminosidade do homem;

2.     A Lei;

3.     Antigo e o Novo Testamentos (sua relação);

4.     Cristo, o Mediador: Sua Pessoa (Profeta, Sacerdote, Rei) e a obra da expiação;

VOLUME III – O MODO PELO QUAL RECEBEMOS A GRAÇA DE CRISTO, SEUS BENÉFICIOS E EFEITOS:

1.     Fé e Regeneração;

2.     Arrependimento;

3.     Vida Cristã;

4.     Justificação;

5.     Predestinação;

6.     A última ressurreição (final)

VOLUME IV – OS MEIOS EXTERNOS PELOS QUAIS DEUS CONVIDA-NOS À SOCIEDADE DE CRISTO.

1.     A Igreja.

2.     Os Sacramentos

3.     O Governo Civil.

CONCLUSÃO:

            Este artigo visou apresentar em linhas gerais o contexto das Institutas da Religião Cristã de João Calvino. Mostrando o quatro geral de como esta obra foi desenvolvendo-se até chegar a sua forma atual nos dias hoje.

BIBLIOGRAFIA:

1.     BEEKE, Joel. R.; JONES, Mark. Teologia Puritana – Doutrina para a Vida. Tradução: Marcio Loureiro Redondo. São Paulo: Vida Nova, 2016.

2.     BEZA, Theodoro de. A Vida e a Morte de João Calvino. Tradução: Waldyr Carvalho Luz. São Paulo: Editora Luz para o Caminho, 2006.

3.     CALVINO, João. Comentário sobre o Livro de Salmos, Volume 1. Tradução: Valter Graciano Martins, São Paulo: Editora Fiel, 2009.

4.     COSTA, Hermisten Maia Pereira da. A Inspiração e Inerrância das Escrituras – Uma Perspectiva Reformada. São Paulo: Cultura Cristã, 1998.

5.     FERREIRA, Wilson de Castro. Calvino: Vida, Influência e Teologia, São Paulo: Luz Para o Caminho,1998.

6.     CALVINO, Juan. Instiución de La Religión Cristiana. Tradução: Cipriano de Valera.  Barcelona:1999

7.     GEROGE, Timothy. Teologia dos Reformadores.Tradução: Gérson Dudus e Valéria Fontana. São Paulo: Editora Vida Nova, 1994

8.     HALSEMA, Thea B.  Von. João Calvino Era Assim.   São Paulo: Editora Os Puritanos, 2009

9.     LAWSON, Steven. A Arte Expositiva de João Calvino. Tradução:Ana Paula Eusébio Pereira. São Paulo: Editora Fiel,2008.

 

 

 



[1] Veja-se CALVINO, João. Comentário aos Salmos, São José Campos – SP: Volume 1,2009, p.31.

[2] Veja-se TOKASHIKI, Ewerton B. Pastoreando o Rebanho de Deus – Os documentos de Ordem da Igreja de Genebra. Teófilo Otoni – MG: Credo Reformado Publicações, 2022, p.31 – nota de número 15.

[3] Ênfase nossa.

terça-feira, 4 de julho de 2023

MATEUS 27.52-53 - A RESSURREIÇÃO DOS SANTOS SE DEU NA MORTE OU RESSURRERIÇÃO DE CRISTO?

 EXPLICAÇÃO DE MATEUS 27.52-53

Mortos ressuscitaram na morte de Cristo ou depois da Ressurreição de Cristo?

Rev. João Ricardo Ferreira de França.

Paz e Graça:

            Quando estive estudando teologia esse texto me incomodava muito, pois, vi e ouvi muitas abordagens a ele de modo que ao meu ver ignorava o tempo ocorrido da ressurreição dos que santos mencionados neste trecho. Havia aqueles que sustentavam que eles ressuscitaram e aguardaram no túmulo até a ressurreição de Cristo para saírem da sepultura. E, isso me incomodava porque seguindo a tradição paulina de 1ª Coríntios 15 de que Cristo é a “primícias dos que dormem”  seria impossível seguir uma posição que entra em colisão com a tradição Paulina – estudei e li muito sobre o assunto. Me convenci de que a passem a despeito de sua dificuldade caminha na direção de que essa ressurreição se deu após a ressurreição de nosso Senhor Jesus Cristo. E, nunca mais abordei o tema.

            Mas, recentemente em uma aula de escola dominical em nossa igreja, onde sou ministro da Palavra e dos Sacramentos, mencionei esta passagem com o entendimento que descrevi acima, um dos nossos alunos, um irmão cristão, questionou se eu teria algum teólogo que expressa essa posição. Na ocasião lembrei de Calvino, mas fiquei temoroso de citar o nome sem antes volta e consultar a obra de Calvino (por quem tem um profundo respeito e admiração), disse ao irmão que voltaria aos meus arquivos seminais e traria as citações que colaboram para a posição interpretativa que sigo.
            Antes de tudo quero ressaltar que esta é uma passagem realmente difícil das Escrituras, espero que estas singelas citações ajudem os que desejam estudar melhor essa passagem. Não dogmatizo minha posição, entretanto, creio ser a posição mais coerente com a revelação das Escrituras.

No amor de nosso redentor,

Desejo a edificação e instrução de todos com este compilado
Riachão do Jacuípe, 04 de julho de 2023.

Obs: nos textos gregos citados não inclui a transliteração para não sugerir que pertenciam aos autores que discutem exegeticamente a passagem.

JOÃO CALVINO:

E sepulturas foram abertas. Este também foi um milagre impressionante, pelo qual Deus declarou que seu Filho entrou na prisão da morte, não para continuar trancado lá, mas para tirar todos os que estavam cativos. Pois no mesmo momento em que a desprezível fraqueza da carne foi contemplada na pessoa de Cristo, a magnífica e divina energia de sua morte penetrou até o inferno. Esta é a razão pela qual, quando ele estava para ser encerrado em um sepulcro, outros sepulcros foram abertos por ele. No entanto, é duvidoso que essa abertura das sepulturas tenha ocorrido antes de sua ressurreiçãopois, em minha opinião, a ressurreição dos santos, mencionada imediatamente depois, foi posterior à ressurreição de CristoNão há probabilidade na conjectura de alguns comentaristas de que, depois de terem recebido o fôlego e vida, permaneceram três dias escondidos em seus túmulos. Acho mais provável que, quando Cristo morreu, os túmulos foram imediatamente abertos: e que, quando ele ressuscitou, alguns dos piedosos, tendo recebido a vida, saíram de seus túmulos e foram vistos na cidadePois Cristo é chamado o primogênito dentre os mortos (<510118> Colossenses 1:18), e as primícias dos que ressuscitam (<461520>1 Coríntios 15:20)porque por sua morte ele começou, e por sua ressurreição ele completou, uma nova vida; não que, quando ele morreu, os mortos ressuscitassem imediatamente, mas porque sua morte foi a fonte e o começo da vida. Essa razão, portanto, é totalmente aplicável, uma vez que a abertura das sepulturas foi o presságio de uma nova vida, que o fruto ou resultado apareceu três dias depois, porque Cristo, ao ressuscitar dos mortos, trouxe outros junto com ele para fora de suas vidas. túmulos como seus companheiros. Agora, por este sinal, ficou evidente que ele não morreu nem ressuscitou em caráter privado, mas para derramar o odor da vida em todos os crentes.

(JOÃO CALVINO, Commentary On Matthew, Mark, Luke, Volume-3., In: AGES Software • Albany, OR USA Version 1.0 © 1997, p.251-252)

John Gill – o puritano.

Mateus 27.52:

e muitos corpos de santos que dormiam surgiramnão que eles tenham surgido no momento da morte de Cristo: as sepulturas foram abertas então, quando a terra tremeu e as rochas se partiram; mas os corpos dos santos não surgiram até depois que Cristo ressuscitou, como aparece no versículo seguinte; mas porque o outro evento agora aconteceu, ambos estão registrados aqui: estes eram santos e os que dormiram em Jesus; e de quem ele é as primícias que agora surgiram; e não todos, mas muitos deles, como penhores da futura ressurreição, e para a confirmação de Cristo, e o cumprimento de uma profecia em (Isaías 26:19). E eles ressuscitaram nos mesmos corpos em que viveram antes, caso contrário, não poderiam ser chamados de seus corpos, ou conhecidos por aqueles a quem apareceram: mas quem eles eram? Não era para ser conhecido; alguns pensaram que eles eram os antigos patriarcas, como Adão, Noé, Abraão, Isaque, Jacó, etc. Na Septuaginta (Jó 42:17), Jó é considerado um deles, e uma tradição é registrada lá, que é assim: “está escrito que ele ressuscitou com quem o Senhor ressuscitou”. Mas deve parecer que eles eram alguns santos posteriores, como Zacarias, o pai de João Batista, o próprio João Batista, o bom e velho Simeão, José, marido de Maria, e outros, bem conhecidos das pessoas agora vivas. Alguns pensam que eles foram mártires na causa da religião; e assim a versão persa traduz as palavras, “e os corpos de muitos santos que sofreram o martírio, ressurgiram das sepulturas”.

Mateus 27.53:

E saiu dos túmulos após sua ressurreição, etc.] A ressurreição de Cristo; porque ressuscitou como as primícias, como o primogênito dos mortos e o primogênito dos mortos; pois ele foi o primeiro que ressuscitou para uma vida imortal; pois, embora outros tenham sido criados antes dele, por ele mesmo e nos tempos dos profetas, ainda para uma vida mortal; mas esses santos surgiram para a ressurreição da vida e, portanto, era necessário que Cristo, as primícias, ressuscitasse primeiro. A versão árabe realmente diz, “depois de sua própria ressurreição”; e a versão etíope, “depois que foram criados”; ambos errados e mal entendidos: e foram para a cidade santa; a cidade de Jerusalém, que embora agora seja uma cidade muito perversa, foi assim chamada, por causa do templo, da adoração a Deus e de sua residência nela: os locais de sepultamento dos judeus estavam fora da cidade e, portanto, estes ressuscitados santos, dizem que entraram nele: e apareceu a muitos; de seus amigos e conhecidos, que os conheceram pessoalmente e conversaram com eles em suas vidas. Esses santos, eu apreendo, continuaram na terra até a ascensão de nosso Senhor e, então, juntando-se à comitiva de anjos, foram triunfantemente com ele para o céu, como troféus de sua vitória sobre o pecado, Satanás, a morte e a sepultura.  

(GILL, John. In: Gill's Exposition - Matthew (grace-ebooks.com))

A.T. ROBERTSON

27.52. Abriram-se os sepulcros (μνημεῖα ἀνεῴχθησαν). Terceira pessoa do plural do aoristo primeiro passivo do indicativo (acréscimo silábico duplo). A divisão das pedras e a abertura dos sepulcros podem ter sido consequências do terremoto. Mas, a ressurreição dos corpos dos mortos depois da ressurreição de Jesus, que apareceram a muitos na Cidade Santa, confunde muitos hoje que crêem na ressurreição corpórea de Jesus. Alguns estigmatizam todos esses portentos como lendas, visto que só constam em Mateus. Outros afirmam que “depois da ressurreição” deve ser lido “depois da ressurreição deles”, mas isso entraria em conflito com as palavras de Paulo, que disse que Cristo “foi feito as primícias dos que dormem” (1 Co 15.20). (ROBERTSON, A.T – COMENTÁRIO de  Mateus e Marcos à Luz do Novo Testamento Grego. Rio de Janeiro, CPAD, 2011, p.323-324)

Osborne

Ideia Central – Mateus 27.51-60

A zombaria dos três grupos - o povo, os líderes e os soldados - é combatida pelo tríplice testemunho da natureza, dos soldados e das mulheres. A ênfase está na filiação divina de Jesus e nos resultados de sua morte em julgamento, ressurreição e um novo acesso a Deus tornado possível. Até seu enterro aponta para a natureza extraordinária de sua pessoa.

Estrutura e Forma Literária

Mateus novamente adapta o material de Marcos (vv. 51a, 54, 55-56, 57-61) e insere seu próprio material exclusivo sobre a abertura dos túmulos com os santos do AT emergindo (vv. 51b-53). Ao usar Marcos, Mateus acrescenta os soldados e os presságios sobrenaturais que eles viram ao v. 54 e abrevia muito (cerca de metade do comprimento) a história do sepultamento de Marcos 15:42-47.

Esboço exegético

I. Os Incríveis Pós-Eventos (27:51–53)

A. O rasgo do véu do templo (v. 51a)

B. O terremoto (v. 51b)

C. Os túmulos se abrem e os santos emergem (vv. 52–53)

II. As Testemunhas dos Eventos (27:54–56)

A. A confissão do centurião (v. 54)

B. As mulheres testemunham (vv. 55–56)

III. O sepultamento de Jesus (27:57-61)

A. O corpo dado a José de Arimatéia (vv. 57–58)

B. O sepultamento de Jesus no túmulo novo de um homem rico (vv. 59–60)

C. As mulheres testemunham (v. 61)

Mateus combinou duas tradições aqui - uma que ocorreu na Sexta-Feira Santa, com um terremoto na morte de Jesus dividindo a cortina do véu e abrindo vários túmulos; e outra “depois da ressurreição” (ver o v. 53), quando muitos dos “santos” mortos foram vistos em Jerusalém. O principal propósito de Mateus em suas várias cenas sobrenaturais peculiares a ele (as visões/sonhos dos Magos, José, a esposa de Pilatos, bem como estes dois e 28:2) é demonstrar a afirmação sobrenatural da verdadeira natureza de Jesus e seu efeito sobre a relação Deus-homem. Aqui ele reúne essas tradições para conectar a morte e a ressurreição de Jesus como um único evento histórico da salvação e para mostrar a filiação divina de Jesus por meio do testemunho sobrenatural (vv. 51-53) e humano (v. 54).

O terremoto vem depois do rasgo do véu, então o terremoto não é a causa da abertura da cortina (um ato sobrenatural), mas um evento separado. Também é um evento sobrenatural, como visto no passivo divino (“fomos separados”) aqui. Mateus tem três cenas σεισμός (“terremoto”) (8:24; 27:54; 28:2; veja em 8:24). É um símbolo judaico comum para a atividade de Deus no AT (Jz 5:4; 2 Sm 22:8; Sl 18:7; 77:18; Is 2:19, 21; Joel 3:16) e no Apocalipse ( Ap 6:12; 8:5; 11:13; 16:18), frequentemente usado no NT para libertar os mensageiros de Deus (Atos 16:26, Rev. 6:12, 8:5).⁷ Assim, é possível que aqui Mateus indica a ascensão do espírito de Jesus ao Pai por meio do motivo do terremoto e que no túmulo, no terceiro dia, outro terremoto indica a ressurreição de seu corpo (28:2).

27:52 E os sepulcros foram abertos. Em seguida, muitos corpos dos santos que morreram foram ressuscitados (avnew|,cθησαν). Observe a continuação dos passivos divinos, apontando para Deus como o agente. Senior chama isso de discurso apocalíptico baseado na história dos ossos secos de Ezequiel 37 para mostrar o significado da morte de Jesus. A abertura das tumbas e a ressurreição dos mortos continuam o motivo escatológico do terremoto de duas maneiras. (1) Na morte de Jesus, a inauguração dos últimos dias é selada, o poder da morte é quebrado e os justos são ressuscitados. (2) Ocorre a inauguração da nova era de salvação, quando a vida é disponibilizada a todos. Ambos os aspectos são combinados na expectativa apocalíptica e aguardam os presságios cósmicos que precederão o retorno de Cristo (como diz Hill).

A abertura das sepulturas alude a Ezequiel 37:12–13. “Assim diz o Soberano Senhor: 'Povo meu, abrirei os seus túmulos e os tirarei deles'.” Em Ezequiel, é uma metáfora para o retorno do exílio, mas aqui é a ressurreição dos mortos. . “Adormecido” (κεκοιμημένων) era uma metáfora comum para a morte (Atos 7:60; 1 Coríntios 15:6, 51; 1 Tessalonicenses 4:13), e isso se refere à ressurreição física dos “santos” do AT, certamente não todos os “santos” (Zacarias 14:5) do passado, mas mais provavelmente alguns dos “heróis e mártires da história de Israel selecionados para dar testemunho miraculoso desses eventos”. Há muitas perguntas sobre isso; por exemplo, quantos foram levantados (provavelmente apenas alguns)? E isso foi uma ressurreição como Lázaro, de modo que eles viveram uma vida na terra e morreram, ou uma ressurreição em seus corpos glorificados, de modo que foram levados com Cristo para o céu (a maioria prefere o último)?[1]

27:53 E, saindo dos túmulos depois da ressurreição dele, entraram na cidade santa e apareceram a muitos (ῆλθον εἰς τὴν ἁγίαν πόλιν καὶ ἐνεφανίσθησαν πολλοῖς). Há um movimento distinto da ação centralizada em “fora” (ἐκ) e “dentro” (εἰς), cada um encontrado com o verbo e o substantivo para dar ênfase. A imagem dos santos do AT ressuscitados na morte de Jesus, mas não vistos até “depois de sua ressurreição” tem levantado muitas questões. Por que eles seriam ressuscitados, mas não apareceriam até trinta e seis horas depois?

A melhor solução é fornecida por John Wenham, que coloca um ponto entre os vv. 52a e 52b-53, significando que o terremoto e a abertura dos túmulos pertencem à morte de Jesus, enquanto a ressurreição dos santos e sua aparição em Jerusalém pertencem à ressurreição. Isso fornece uma separação satisfatória entre os eventos da morte de Jesus e de sua ressurreição, mostrando que o propósito de Mateus é reunir a morte e a ressurreição como um único evento na história da salvação. Enquanto os túmulos foram abertos no terremoto, os heróis do AT não foram ressuscitados até “depois da ressurreição de Jesus”. Seria gratificante saber quais deles apareceram - Abraão ou José ou Davi ou Aarão ou Jeremias ou Malaquias? Provavelmente muitos eram nomes não mencionados no AT, mas nunca saberemos até chegarmos ao céu. No entanto, podemos imaginar a emoção quando as pessoas os conheceram e ouviram suas histórias.

Mateus não quer contar os detalhes porque quer que nos concentremos no significado do evento. Observe a ênfase deliberada em “os santos”/“cidade santa”. Mateus enfatiza a natureza “santa” dos eventos, transformando até mesmo a cidade apóstata que “mata os profetas” (23:37) e está matando o Messias na “cidade santa” que não voltará a ser até o fim dos tempos ( Ap 21:2, 10). No entanto, mesmo aqui há promessa de um remanescente a ser preservado (veja-se Blomberg).

(OSBORN, GRANT – Mattew.- Exegtical Commentary on the New Testament: Grand Rapis: Zondervan, 2010,  p.2.270-2.278



[1] Calvino é dessa opinião – nota do compilador.

sábado, 10 de junho de 2023

A EUCARISTIA NA REFORMA PROTESTANTE

 

Rev. João Ricardo Ferreira de França.

Enquanto comiam, tomou Jesus um pão, e, abençoando-o, o partiu, e o deu aos discípulos, dizendo: Tomai, comei; isto é o meu corpo. A seguir, tomou um cálice e, tendo dado graças, o deu aos discípulos, dizendo: Bebei dele todos; porque isto é o meu sangue, o sangue da nova aliança, derramado em favor de muitos, para remissão de pecados. E digo-vos que, desta hora em diante, não beberei deste fruto da videira, até aquele dia em que o hei de beber, novo, convosco no reino de meu Pai. E, tendo cantado um hino, saíram para o monte das Oliveiras. (Mateus 26.26-30)

            Neste ano, no dia 31 de outubro, a Reforma está comemorando 506 anos de sua deflagração contra os abusos de Roma. Todavia, quando lemos os artigos que falam sobre este momento singular da história, geralmente, temos a impressão de que a Reforma foi um movimento onde houve uma unanimidade em todos os seus particulares, mas a realidade é outra bem distinta da que pensamos, existiu grandes divergências entre eles. Este breve artigo visa abordar, de forma resumida, uma delas: a Eucaristia ou Santa Ceia.

            A Santa Ceia sempre foi considerada como o vínculo de paz e unidade entre os crentes, todavia, foi motivo de discórdias dentro da chamada Reforma Protestante. É notório que o problema da Santa Ceia está vinculado as concepções cristológicas sustentadas pelos reformadores, e assim, a Eucaristia tem como pando de fundo a questão da presença ou não de Cristo nos elementos.

            Antes da Reforma ocorrer a doutrina da Eucaristia era diferente da que nós temos hoje. A primeira realidade é que na “igreja primitiva, a celebração da Ceia do Senhor era o ponto central da adoração cristã”. (GEORGE, Timothy1993,p.145). Curiosamente o sacramento da Santa Ceia foi corrompido pala concepção da Transubstanciação ( a substância se transforma ). Tal doutrina passou a ser doutrina oficial na Igreja de Roma no quarto Concílio de Laterano em 1215 (BERKHOF, Louis., 1989, p.226.). Mas, essa idéia é bem anterior conforme podemos ver, pois, “em 818 d.C um teólogo medieval chamado Pascácio Radbert formalmente propôs a doutrina de que os elementos, pelo poder divino,literalmente se transformam no mesmo corpo que nasceu de Maria” (BERKHOF, Louis, 1989, p.226.).

.           No período da Idade das Trevas – ou Idade Média – a Santa Ceia passou a ser vista como algo miraculoso que protegia o viajante da doença, preservava os marinhos da fúria do mar, dava ainda a provisão na lavoura; chegava-se ao absurdo de dizer que a Ceia dava uma boa esposa ao solteiro (TAPPERT, Theodore G., 1961, p.41).

I - OS REFORMADORES E A EUCARISTIA.

            Diante disso, a Reforma se colocou contra estas concepções sobre o sacramento da Santa Ceia. Lutero tinha uma visão muito individual quanto a este sacramento ele “criticou a negação do cálice aos leigos” (SIERPIESKI, Paulo, sem data, p.8.) Ele expressou dúvidas e criticou a doutrina da Transubstanciação. Lutero rejeitou a concepção de que os sacramentos fossem obras meritórias, e ensinou que eles eram dons da graça de Deus à sua Igreja e devem ser recebidos com fé. (LUTERO, Martinho, 2006, p.50.).

O problema se manifestou quando Zwínglio tomou ciência de que Lutero estava ensinando que o corpo de Cristo estava literalmente presente na eucaristia, enquanto o reformador Zwínglio ensinava que o pão e o vinho, da Santa Comunhão, eram apenas memoriais da morte de Cristo, e assim, o estopim estava ativado. Lutero escreve uma carta a um amigo dizendo que a interpretação do reformador Zwínglio estava equivocada (STROHL, Henri1989, p.144); o reformador alemão tinha a seu favor um tese de um padre que defendia a consubstanciação que nunca foi negada oficialmente pela Igreja Romana (STROHL, Henri., Ibid, p.225), isso ainda alimentou a concepção de que Lutero estivesse certo.

            Houve uma guerra de escritos sendo trocados entre ambos, pois, discordavam energicamente quanto a este assunto; os livros de ambos chegaram a ser vendidos lado a lado pelos jornaleiros da época. Lutero não estava disposto a dizer que a Eucaristia era um mero “símbolo das realidades espirituais” (GONZALEZ, Justo L., 1983, p.71). A grande arma de Lutero era as palavras da Instituição de Cristo “isto é o meu corpo”, não “indica a transubstanciação, mas aponta para o fato de que Cristo está literalmente sobre o pão, ao lado do vinho e sob ambos os elementos” (Idem)

II - UMA SOLUÇÃO PROPOSTA: UMA DIVISÃO PERMANENTE.

            Diante de tamanha guerra decidiu-se fazer um debate entre os grupos – luteranos e zwínglianos – para se resolver o dilema. Filipe de Hesse propôs que o debate fosse realizado em seu Castelo em Marburgo no ano de 1529. Lutero estava acompanhado de seu ilustre amigo Melanchton e com outros colegas. E Zwínglio estava acompanhado de Ecolampádio, Bucer que era os líderes principais dos Zwínglianos. O fato curioso neste debate é que dos quinze pontos discutidos entre Lutero e Zwínglio quartoze deles ambos estavam de acordo, mas na questão da Eucaristia ambos discordavam.

            O reformador Zwínglio chegou a clamar com lágrimas que desejava concordar com os luteranos (GEORGE, Timothy., Op.Cit, p.150)  Travou-se uma guerra exegética. Zwínglio diz que Lutero defende uma doutrina que não pode ser comprovada pelas Escrituras, e não tem a menor coragem de citar uma única passagem. Lutero estava com uma lousa coberta com um pano, e após, a declaração de seu opositor, removeu o pano, e no quadro estava escrito “Este é o meu corpo!”, então, Lutero dirigiu-se a Zwínglio dizendo: “Aqui está a nossa passagem das Escrituras. Você ainda não a tirou de nós.”(Idem) Lutero rejeitou as figuras de linguagem usadas por Zwínglio para mostrar que ali estava empregada uma linguagem não-literal.( KLEIN, Carlos Jeremias.,2006, p.77-82) Mas isso foi em vão. Ambos os grupos ficaram divididos definitivamente.

II - O EXEGETA DA REFORMA: UMA VISÃO CONCILIADORA.

 

            Na discussão entre Lutero e Zwínglio havia um homem que pensou profundamente sobre essa questão da Eucaristia. Ele nos ofereceu um esclarecimento bíblico e teológico sobre a Ceia do Senhor e a presença de Cristo na mesma. O nome deste reformador é João Calvino considerado o maior exegeta da Reforma Protestante. Para Calvino a Eucaristia era mais que uma simples “cerimônia de comemoração do Sacrifício de Cristo: era um evento de comunhão com o próprio Cristo” (CALVINO, João, 1999, Livro 4, Cap.14, parag.1,9.). Embora ele aceitasse algumas afirmações de Zwínglio, afirmava que Cristo estava presente no Sacramento da Ceia mediante a ação do Espírito Santo, e assim, de fato, o Sacramento poderia ser chamado de Meio de Graça onde os eleitos recebem o que a eles é destinado no sacramento, enquanto que os falsos crentes recebem juízo de Deus; logo, a concepção calvinista  sobre a Ceia é que Cristo está real, porém, espiritualmente nos elementos.

            Esta concepção de Calvino é a posição das Igrejas Presbiterianas e Reformadas conforme expressa seus símbolos de Fé. (Confissão de Fé de Westminster: Cp.27, Seç. 3; Cp.29, Seç. 1,5,7; veja-se também o Catecismo Maior de Westminster nas perguntas: 162, 168,170) O que aprendemos deste assunto? Aprendemos que Reforma foi um movimento onde havia de fato uma reflexão teológica. Aprendemos que os reformadores tiveram que lidar com questões que mereciam ser esclarecidas; mas também aprendemos que aquilo que deveria unir a fé tornou-se uma divisão entre eles. De sorte que mundo está dividido assim: os romanos com a Transubstanciação; os luteranos com a Consubstanciação; os Zwínglianos com a concepção Memorial e os calvinistas com a noção da Presença Real de Cristo nos sacramentos de forma Espiritual. Isso deveria nos entristecer? Não. Isto deveria nos estimular a orarmos para que a Igreja de Cristo mostre sua unidade nestas questões singulares.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

BERKHOFLouis. A História das Doutrinas Cristã, São Paulo: PES, 1989.

CALVINO, João. Intitución de la religión Cristiana, Barcelona: Felire, 1999. Livro 4, Cap.14, parag.1,9.    

GEORGE, Timothy. Teologia dos Reformadores, Trad.Gérson Dudus & Valéria Fontana, São Paulo: Vida Nova,1993).

GONZALEZ, Justo L. A Era dos Reformadores, São Paulo: Vida Nova, 1983.

LUTERO, Martinho. Do Cativeiro Babilônico da Igreja, Trad. Martin N. Dreher, São Paulo: Martin Claret,.2006.

KLEIN, Carlos Jeremias. Os Sacramentos na Tradição Reformada, São Paulo: Fonte Editorial, 2005.

SIERPIESKI, Paulo. História do Cristianismo I, Da Reforma, Recife: Seminário Batista do Norte – Obra não Publicada, s/d.

STROHL, Henri. O Pensamento da Reforma, São Paulo: Aste, 1989.

TAPPERT, Theodore G. The Lord’s Supper: Past and Present Pratices Filadélfia: Muhlenberg Press, 1961.

 

O autor é formado em Teologia pelo Seminário Presbiteriano do Norte (SPN) em Recife – PE; também é coordenador do Departamento de Teologia Exegética do Antigo e Novo Testamento no Seminário Presbiteriano Fundamentalista do Brasil (SPFB) em Recife – PE, atualmente é pastor na Igreja Presbiteriana de Riachão do Jacuípe - BA.

O ENSINO DA CESSAÇÃO DA REVELAÇÃO ESPECIAL NA CONFISSÃO DE WESTMINSTER

  O Ensino da Confissão de Westminster sobre a Cessação da Revelação Especial Por David F. Coffin, Jr. Tradução: Rev. João Ricardo Fer...