A TRADIÇÃO REFORMADA E A POLÍTICA
Rev.
João Ricardo Ferreira de França.
Introdução:
Atualmente estamos vivendo em uma
época no qual a política tem sido desacreditada, mas que o estado tem sido
valorizado; há outra sintomática muito curiosa é que somos ensinados de que o
cristão não deve se envolver em política. Esta é a concepção do mundo
evangelical como todo.
Entretanto, como herdeiros da
Tradição Reformada ou Calvinista possuímos um pensamento distinto quanto a este
particular. Entendemos que a força propulsora das principais estruturas
governamentais em nosso mundo ocidental deve muito ao pensamento e a influência
de João Calvino. B.B. Warfield nos lembra que “ as raízes do calvinismo estão
plantadas em uma atitude religiosa específica...desta emana, uma organização
eclesiástica especial [...] envolvendo uma ordem política específica”.[1]
E esta concepção garante as liberdades individuais conforme aprendemos com
Biéler: “Denis de Rougemont ponderou que nenhuma ditadura moderna se
estabeleceu em país influenciado pela Reforma calvinista.”[2]
I – A CONCEPÇÃO CALVINISTA / REFORMADA DE
POLÍTICA.
Para compreendermos a ideia de
política desenvolvida pela concepção calvinista, devemos levar em consideração
o que significa Magistrados? A CFW (Confissão de Fé de Westminster) possui um
capítulo que aborda esta temática. Primeiro, assegurando que o papel do
Magistrado Civil é fazer com a que a lei seja implantada de forma correta e
seja cumprida de forma correta (defesa dos justos e castigos dos mauas); em
segundo lugar, assegura que qualquer cristão que for vocacionado deve exercer o
magistrado civil.
Os anabatistas (rebatizadores) olham
para todo o governo político como algo carnal, e por isso, o cristão não deve
se engajar neste processo. Entretanto, para a concepção reformada e para o
próprio Calvino os magistrados são como representantes de Deus neste mundo:
No que respeita à função dos
magistrados, não só é aprovada e aceitável ao Senhor, mas também ele a honrou
com títulos mui eminentes, além de no-la recomendar com cumulada dignidade.
Para lembrar apenas uns poucos títulos: o fato de que são chamados deuses
todos quantos exercem a função de magistrados, não deve levar
ninguém a pensar que nessa designação reside leve importância, pois com ela significa
que possuem um mandato de Deus, que foram providos de divina autoridade e
representam inteiramente a pessoa de Deus, cujas vezes de certo modo
desempenham.[3]
Vimos que os magistrados são colocados como se fossem representantes de
Deus neste mundo. Mas, a pergunta seguinte é interessante: Como devemos agir em
relação aqueles que não governam de modo que não refletem as leis de Deus?
Calvino responde a esta questão de três
formas importantes:
1)
Devemos ser submissos as autoridades constituídas (Tito 3.1):
Calvino nos diz comentando este texto que o apóstolo Paulo tinha muita
“dificuldade em manter o povo comum em sujeição à autoridade dos magistrados e
príncipes. Por natureza, todos nós somos desejosos de poder, de sorte que
ninguém tem disposição para submeter-se a otutrem.[...] Paulo agora se volta
para eles e os admoesta em termos gerais no sentido em que tranquilamente
respeitassem a ordem do governo civil. Obedecem às leis e se submetessem aos
magistrados. Pois a sujeição aos príncipes e a obediência aos magistrados que o
apóstolo requer se estende também aos éditos e leis bem como a outros deveres
cívicos.[4]
Em seu comentário aos Romanos sobre o capítulo 13.1 ele
assegura a mesa verdade quando comenta a expressão “autoridades superiores”
declara: “Os magistrados, pois, são assim chamados em relação aos que se acham
a eles sujeitos...” e ainda continua dizendo: “A razão porque devemos estar
sujeitos aos magistrados é que eles foram designados pela ordenação divina.”[5]
2)
Oração pelos Magistrados é um dever do calvinista:
Calvino ensina
isso de forma muito clara quando ele comenta o texto de Jeremais 29.7. O
próprio reformador nos lembra que Jeremias exorta o povo do pacto a fazer isso:
Jeremias vai ainda mais
longe, mesmo que os judeus tenham sido levados para a Babilônia, com a condição
de prestar obediência voluntária à autoridade do rei Nabucodonosor, e a forma
de testemunhar isso era por suas
orações. Ele não só lhes ordena pacientemente para aguentar o castigo que cai
sobre eles, mas também para fossem fiéis súditos de seu conquistador; ele não
só proíbe que eles sejam sediciosos, mas incitá-os a obedecer a partir do coração, para que Deus
seja um testemunho da sua sujeição e obediência.[6]
3)
O Dever de Resistir a um estado tirânico e totalitário:
O terceiro elemento da
concepção calvinista de política é a legitimidade de resistir a um estado ou
governo déspota, tirânico ou totalitário. A chamada desobediência civil é
possível e legítima quando o governo se mostra totalitário. O próprio Calvino assegura este fato ao
comentar:
Mas, se agora alguns são
constituídos magistrados do povo para moderar-se a prepotência dos reis, como
eram outrora os éforos que foram contrapostos aos reis lacedemônios; ou os
tribunos da plebe aos cônsules romanos; ou os demarcas ao senado dos
atenienses; e, como estão as coisas agora, talvez também de qualquer poder que
em cada reino exercem as três ordens representativas quando realizam [7]suas
assembléias gerais; a tal ponto não os proíbo de, em função de seu ofício,
resistir ao estuante desbragamento dos reis que, se se façam coniventes aos
reis a oprimirem e assolarem violentamente ao populacho humilde. Eu afirmaria
que tão nefária perfídia não carece de sua dissimulação, visto que estão a
trair fraudulentamente a liberdade do povo, da qual devem saber que foram
postos por guardiães pela ordenação de Deus.
II – O ATIVISMO POLÍTICO E A CONCEPÇÃO CALVINISTA:
A segunda questão que
devemos encarar com uma pergunta pertinente. Devem os cristãos se envolver no
ativismo político? Esta pergunta é importante porque ainda paira dúvidas nos
corações dos crentes piedosos sobre este assunto. O cristão e a política em
nosso contexto parece ser excludentes. Mas, será mesmo?
2.1 – Considerando aspectos
negativos do ativismo político:
Um famoso teólogo conhecido com John Marcarthur Jr.
Oferece quatro razões pelas quais os crentes não deveriam se envolver com o
ativismo político:
1.
Denigre a soberania de Deus
na História humana.
2.
Promove valores bíblicos na
cultura usando meios carnais e egoísta.
3.
Apresenta um falso senso de
moralidade.
4.
Um risco de alienar os
incrédulos e vê-los apenas como políticos.
Para Marcarthur
Jr. A igreja é quem podem mudar as estruturas sociais da sociedade por meio da
pregação do evangelho.
2.2 – Aspectos positivos do
envolvimento com o ativismo político:
Apresentemos agora algumas das razões porque os crentes
deveriam se envolver no ativismo político de forma sábia, justa e piedosa:
1.
Compreendendo que os reformadores sempre foram incentivadores
disto. Pois, olhavam o Magistrado Civil como sendo uma forma de melhorar a vida
do povo.
2.
Porque a CFW apresenta como alguém plausível aos que tem o
dom para tal:
II.
Aos cristãos é licito aceitar e exercer o ofício de magistrado, sendo para ele
chamado; e em sua administração, como devem especialmente manter a piedade, a
justiça, e a paz segundo as leis salutares de cada Estado, eles, sob a
dispensação do Novo Testamento e para conseguir esse fim, podem licitamente
fazer guerra, havendo ocasiões justas e necessárias.
Ref. Prov. 8:15-16; Sal. 82:3-4; II Sam. 23:3;
Luc. 3:14; Mat. 8:9-10; Rom. 13:4.[8]
3.
Porque
faz parte do mandato cultural:
Quando ignorando a nossa
vocação política nos esquecemos de que Deus ao homem o dever de construir uma
sociedade. Conformes aprendemos em Gênesis 1.26-28. Uma escritora nos lembra:
Em Gênesis, Deus dá o que
chamaríamos de a primeira descrição de cargo:"Frutificai, e
multiplicai-vos, e enchei a terra, e sujeitai-a..." (Gn 1.28) A primeira
frase —"Frutificai, e multiplicai-vos" — significa desenvolver o mundo
social: formar famílias, igrejas, escolas, cidades, governos, leis. A
segunda frase —"enchei a terra, e sujeitai-a" — significa subordinar
o mundo natural: fazer colheitas, construir pontes, projetar
computadores, compor músicas. Esta passagem é chamada de o mandato cultural,
porque nos fala que nosso propósito original era criar culturas, construir
civilizações — nada mais.[9]
As implicações
disso é que o homem é chamado para governar o mundo, ou seja, para exercer um
ativismo político governamental como um mandato de Deus.
III – ESTADO LAICO? O SISTEMA CALVINISTA E A RELAÇÃO ENTRE
IGREJA E ESTADO.
Atualmente tornou-se muito comum pensar que Estado Laico
significa Estado sem religioso, ou areligioso
ou ateu. Será que isso procede? A laicidade do estado indica que se deve ser um
estado sem religião ou uma nação sem noções religiosas?
- O que é laicidade do Estado
A concepção reformada ou calvinista nos ensina que a
Igreja e o Estado têm responsabilidades diferentes ou separadas. No pensamento
calvinista a igreja trata das questões espirituais e o estado trata das
questões temporais.
Mas, a grande questão é a seguinte: Qual é a relação do
estado com a primeira tábua da lei de Deus? Ou seja, qual é o papel do Estado
em relação a Igreja? A tradição calvinista e reformada expressa na Confissão de
Fé de Westminster em seu capítulo 23 responde-nos:
III - Os magistrados civis não podem tomar sobre si a
administração da palavra e dos sacramentos ou o poder das chaves do Reino do
Céu, nem de modo algum intervir em matéria de fé; contudo, como pais solícitos,
devem proteger a Igreja do nosso comum Senhor, sem dar preferência a qualquer
denominação cristã sobre as outras, para que todos os eclesiásticos sem
distinção gozem plena, livre e indisputada liberdade de cumprir todas as partes
das suas sagradas funções, sem violência ou perigo. Como Jesus Cristo
constituiu em sua Igreja um governo regular e uma disciplina, nenhuma lei de qualquer Estado deve proibir, impedir
ou embaraçar o seu devido exercício entre os membros voluntários de qualquer
denominação cristã, segundo a profissão e crença de cada uma. E é dever dos
magistrados civis proteger a pessoa e o bom nome de cada um dos seus
jurisdicionados, de modo que a ninguém seja permitido, sob pretexto de religião
ou de incredulidade, ofender, perseguir, maltratar ou injuriar qualquer outra
pessoa; e bem assim providenciar para que todas as assembléias religiosas e
eclesiásticas possam reunir-se sem ser perturbadas ou molestadas.
Ref. Heb. 5:4; II
Cron. 26:18; Mat. 16:19; I Cor. 4:1-2; João 15:36; At. 5:29; Ef. 4:11-12; Isa.
49:23; Sal. 105:15; 11 Sam.23:3.
O dever do Estado é a defesa
da Igreja, isto também é expresso na nossa Constituição Federal no Título 2 –
capítulo 1, no artigo 5 incisos 6 e 7.
- A Negação da Laicidade do Estado nas concepções
políticas atuais
Nas estruturas
políticas atuais vemos partidos políticos e indivíduos públicos sustentaram
ideologias anticristã, em nome da laicidade do estado e tais concepções se
mostram nas seguintes áreas:
a)
A negação da religião:
A Religião ficou de fora nas discussões políticas, pois, é tratada como
mera opinião e não como conhecimento verdadeiro; na falsa concepção de que para
que o estado mantenha sua laicidade é necessário impedir que discursos
religiosos ou homem que se declaram abertamente cristãos assumam a liderança do
estado. Pearcy nos lembra que no pensamento atual “A religião não é considerada
uma verdade objetiva à qual nos submetemos, mas trata-se de mera questão
de gosto pessoal que escolhemos.”[10]
Por isso, há tanto empenho de uma parcela da política moderna em varrer toda
noção religiosa ou cristã de nossa sociedade.
b)
A queda dos valores morais:
O relativismo
tornou-se o padrão no joguete político de nossos dias. O relativismo é aquela
postura de que não há mais valores absolutos. Nós assistimos todos os dias
notícias de corrupção, de desvio de verbas para enriquecimento ilícitos, vemos
que os líderes partidários dizem: “é ele (a) roubou, mas foi por uma causa
nobre (pagar o bolsa família, o pronatec, a merenda escolar) e assim, vivemos
uma onda onde se é lícito roubar – não há mais valores morais em nossa
sociedade e especialmente na classe política atual, mas essa queda e quebra dos
valores morais se vê na defesa específicas de alguns assuntos que são lemas e
metas a serem alcanças nos planos de governo:
- Abordo: o infatícidio
tem sido apoiado e defendido por partidos políticos em nosso país e que
nós, como cristãos temos oferecido defesa deliberada quando votamos e
apoiamos o plano de governo apresentado, ou mesmo, quando sabemos que nas
coligações há partidos que tem esse projeto para a população. A Bíblia é
claramente contra o Aborto em Êxodo 20.13. O mandamento de não matar é
claro a este respeito.
- A promoção do Homossexualismo:
Em nossos tempos atuais a laicidade do estado tem servido de base para
rejeitar o cristianismo e juntamente com ele os valores morais
judaico-cristão do mundo do ocidente. E se tem advogado a defesa do homossexualismo
criando leis tais como a “homofobia” dizendo que devemos aceitar e até
procurando impor à cultura gay na nossa sociedade, por exemplo, o quite
gay que é um projeto educacional para as escolas do estado. O projeto é
remover a noção da hetornomatividade e implanta a ideia de
homoafetividade.
- A remoção da legítima
defesa: Os partidos políticos (especialmente os de esquerda), baseados na
falsa concepção, da relação entre Igreja e Estado, asseguram que apenas o
estado pode proteger e tem o direito de proteger o cidadão. Então,
removeu-se o direito de defesa do brasileiro, contra a vontade do mesmo, e
hoje vivemos o caos da insegurança.
c. A desintegração Familiar:
A terceira
trincheira da batalha cultural e política que como reformados temos travado, e
que parece que estamos perdendo, é a desintegração familiar. Cada dia que passa
vivemos e vemos a queda da família no cenário político de nosso país. Como
vemos a família ser desintegrada?
1.
A criação da lei da palmada: Os pais são proibidos de
disciplinar seus filhos
2.
A doutrinação na escola pública: Hoje vemos as nossas
crianças sendo transformadas em defensoras do sistema socialista e comunista,
eles são expostos a doutrinação marxista ensinadas a dependerem do estado cada
vez mais (a criação da escola de tempo integral é um exemplo claro) hoje há
mais a ideia de mais estado e menos família.
3.
A ideologia de gênero: Na prova do Enem (Exame Nacional do
Ensino Médio) tivemos uma questão afirmando que ninguém nasce homem ou mulher.
É isso que encontramos no nosso dia-a-dia no cenário político de nosso
País. O povo escolhe seus políticos sem considerar estas coisas; nós pensamos
que o nosso voto (sem contar que as urnas eletrônicas são fraudadas) não
significa nada. Entretanto, se nós olharmos os nossos candidatos pelos
pressupostos que eles sustentam será que teríamos a coragem de votar neles?
[1] WARFIELD, Benjamin B. The Works of Benjamin B. Warfield, vol. 5, Grand Rapis: Baker,2003,
p. 354.
[2] BIÉLER, André. A força Oculta dos Protestantes. São
Paulo: Cultura Cristã, 1990, p.19.
[3] CALVINO, João. Institutas da Religião Cristã. [4.20.4] São
Paulo: Cultura Cristã, 2003, p.454.
[4] CALVINO, João. As Pastorais. São Paulo: Editora Fiel,
2002, p.346.
[5] CALVINO, João. Romanos. São Paulo: Editora Parakletos,
2001, p.460.
[7] CALVINO, João. Institutas da Religião Cristã. [4.20.31] São
Paulo: Cultura Cristã, 2003, p.480.
[8] CONFISSÃO DE FÉ DE
WESTMINSTER, São Paulo: Editora cultura Cristã. Capítulo 23.
[9] PEARCY, Nancy. A Verdade Absoluta: Rio de Janeiro,
CPAD, P. 34
[10] PEARCY, Nancy. A Verdade Absoluta: Rio de Janeiro,
CPAD, P. 25.