ESTUDOS NA CONFISSÃO DE FÉ DE WESTMINSTER
CAPÍTULO I - DAS SACRADAS ESCRITURAS.
Prof. Rev. João Ricardo Ferreira de França.
III - O CÂNON DAS SAGRADAS ESCRITURAS.
SEÇÃO III – Os
livros geralmente chamados Apócrifos, não sendo de inspiração divina, não fazem
parte do cânon da Escritura; não são, portanto, de autoridade na Igreja de
Deus, nem de modo algum podem ser aprovados ou empregados senão como escritos
humanos.
Ref. Luc. 24:27,44; Rom. 3:2; II Pedro 1:21.
Esta é mais uma daquelas estupendas
declarações da Confissão de Fé de Westminster. Aqui nesta seção vamos trabalhar
vários conceitos do tipo: o que é um livro apócrifo? O que se refere a doutrina
da canonicidade? Quais os critérios usados pela igreja para se chegar ao cânon
que possuímos?
Estas e outras questões nós
abordaremos aqui neste estudo. Pois, é de suma importância para a Igreja
entender adequadamente a doutrina aqui enunciada.
1. A DOUTRINA DA
CANONICIDADE DAS ESCRITURAS.
O que
significa o termo “cânon”? Geralmente se entende que a Escritura é o “Cânon” de
nossa fé. A formação e a estrutura da Bíblia para nós requer que procuremos uma
definição simples, todavia, clara e profunda do que o conceito encerra.
A
palavra “cânon” é uma mera transliteração do termo grego “kanw,n” – kanôn – que significa vara reta, régua, regra. É uma palavra
usada com referência para indicar a autoridade suprema da Bíblia sobre a vida
dos cristãos. Ou seja, refere-se aos livros que compõem a Bíblia conforme conhecemos.[1]
Uma definição mais lexical
nos informa que a origem da palavra “cânon” é derivada
de uma de uma raiz semítica [assírio Qanû;
ugarítico:Qn; hebraico: hn<q;)(
(Qâneh) ocorre 61 vezes no Antigo Testamento e é sempre empregada no sentido
literal (veja-se 1 Rs 14.15;
Jó 40.21; Is 36.6; 42.3; Ez 40.3,5,7), significando ‘cana’ (planta que era
usada para medir e pautar) “balança” (Is.46.6) e também ‘a cana para trançar os
cestos, ou bastão reto[2]
Tomando por empréstimo podemos dizer que a
palavra “Cânon” indica a nossa regra, o nosso limite e ainda mais, o nosso
padrão; sendo todos estes sentidos aplicados à Palavra de Deus.
1.1 – A Estrutura Canônica
do Antigo Testamento
A Bíblia possui, dentro de
sua disposição canônica, oito seções, sendo quatro no Antigo Testamento e
quatro no Novo Testamento.[3] Vamos no deter neste
momento sob o Antigo Testamento e a sua estrutura canônica, sua formação e sua
disposição no que respeita aos livros e classificações:
Livros do Antigo
Testamento
|
|||
A lei (Pentateuco) – 5 livros
|
Poesia – 5 livros
|
||
1. Gênesis
2. Êxodo
3. Levítico
4. Números
5. Deuteronômio
|
1. Jó
2. Salmos
3. Provérbios
4. Eclesiastes
5. O Cântico dos Cânticos
|
||
Historia – 12 livros
|
Profetas – 17 livros
|
||
1. Josué
2. Juízes
3. Rute
4. 1Samuel
5. 2Samuel
6. 1Reis
7. 2Reis
8.
1Crônicas
9.
2Crônicas
10. Esdras
11. Neemias
12. Ester
|
A. Maiores
1. Isaías
2. Jeremias
3. Lamentações
4. Ezequiel
5. Daniel
|
B. Menores
1. Oséias
2. Joel
3. Amós
4. Obadias
5. Jonas
6. Miquéias
7. Naum
8.
Habacuque
9. Sofonias
10. Ageu
11. Zacarias
12. Malaquias
|
|
A tabela apresenta acima
mostra a disposição dos livros conforme aprecem em nossa Bíblia, esta é a atual
estrutura canônica das Escrituras conforme temos na Escritura Protestante
(evangélica. Esta divisão foi ocasionada devido a influência da versão grega do
Antigo Testamento conhecida como Septuaginta (LXX), conforme nos diz dois
estudiosos:
A divisão do Antigo
Testamento em quatro seções baseia-se na disposição dos livros por tópicos, com
origem na tradução das Escrituras Sagradas para o grego. Essa tradução,
conhecida como a Versão dos septuaginta (lxx),
iniciara-se no século III a.C. A Bíblia hebraica não segue essa divisão
tópica dos livros, em quatro partes. Antes, emprega-se uma divisão de três
partes, talvez baseada na posição oficial de seu autor. Os cinco livros de
Moisés, que outorgou a lei, aparecem em primeiro lugar. Seguem-se os livros dos
homens que desempenharam a função de profetas Por fim, a terceira parte contém
livros escritos por homens que, segundo se cria, tinham o dom da profecia, sem
serem profetas oficiais..[4]
Paulo Anglada chama a nossa
atenção exatamente para isso quando diz: “Embora o conteúdo canônico
protestante seja o mesmo do cânon hebraico, a divisão e a ordem dos livros são
diferentes”[5]
conforme vemos no quadro abaixo:
Disposição dos livros do Antigo Testamento hebraico
|
||
A lei
(Tora)
|
Os profetas
(Nebhiim)
|
Os escritos
(Kethubhim)
|
1. Gênesis
2. Êxodo
3. Levítico
4. Números
5. Deuteronômio
|
A.
Profetas anteriores
1. Josué
2. Juízes
3. Samuel
4. Reis
B.
Profetas posteriores
1. Isaías
2. Jeremias
3. Ezequiel
4. Os Doze
|
A.
Livros poéticos
1. Salmos
2. Provérbios
3. Jó
B.
Cinco rolos (Megilloth)
1. O Cântico dos Cânticos
2. Rute
3. Lamentações
4. Ester
5. Eclesiastes
C.
Livros históricos
1. Daniel
2. Esdras-Neemias
3. Crônicas
|
Essa
disposição é confirmada no Novo Testamento pelo próprio Senhor Jesus em Lucas
24.44
1.2 – A Estrutura Canônica
do Novo Testamento
Podemos
dizer que a estrutura e organização do Novo Testamento são simples. Conforme
podemos ver no quadro abaixo:
Livros do Novo
Testamento
|
|
Evangelhos
|
História
|
1. Mateus
2. Marcos
3. Lucas
4. João
|
1.
Atos dos Apóstolos
|
Epístolas
|
|
1. Romanos
2.
1Coríntios
3.
2Coríntios
4. Gálatas
5. Efésios
6.
Filipenses
7.
Colossenses
8.
1Tessalonicenses
9.
2Tessalonicenses
10. 1Timóteo
11. 2Timóteo
|
12. Tito
13. Filemom
14. Hebreus
15. Tiago
16. 1Pedro
17. 2Pedro
18. 1João
19. 2João
20. 3João
21. Judas
|
Profecia
|
|
1. Apocalipse
|
2. CRITÉRIOS PARA A
CANONICIDADE.
A
questão de se ter um cânon é: como saber se os livros do Novo Testamento que
temos são os verdadeiros? Eis ai a nossa
questão.
Quando
no inicio do primeiro século começou a surgir uma variedade de livros
arrogando-se serem os livros verdadeiros do cristianismo. A igreja se viu na
obrigação de dizer quais livros eram divinos ou não; e por isso, se estabeleceu
critérios pertinentes para se avaliar tais livros.
2.1 – Apostolicidade.
Este
é o primeiro critério estabelecido. Um livro para ser reconhecido como regra na
vida da Igreja deveria ter sido escrito por um apóstolo ou por alguma pessoa
ligada ao mesmo. Por exemplo, João Marcos (autor do evangelho de Marcos) não
fora apóstolo, mas a tradição informa que Marcos fora “o intérprete de Pedro”[6]; esse critério era
pertinente para evitar grotescos abusos que estavam sendo feito pelos inimigos
da verdade.
2.2 – Leitura Eclesiástica.
O
segundo critério aponta para o fato de que os livros canônicos seriam
reconhecidos também, por meio da leitura litúrgica de tais livros. Se a igreja
sempre usou aquele referido o mesmo este deveria ser coloca na lista canônica.
Este critério pode ser encontrado na própria escritura em Colossenses 4.16 e em 1 Timóteo 4.13.
Um
exemplo deste fato pode ser visto na apologia de Justino ao descrever o que ocorria
em culto eucarístico:
E no dia chamado Domingo, todos quantos moram nas
cidades ou no interior reúnem-se juntos num só lugar, são lidas as memórias dos apóstolos ou os escritos dos profetas,
por tanto tempo quanto possível; depois, tendo terminado o leitor, o presidente instrui verbalmente, e exorta à
imitação dessas coisas virtuosas. Em seguida, todos nos colocamos de pé e
oramos e, conforme dissemos antes, ao terminarem as nossas orações são trazidos
pão, vinho e água, e o presidente, de modo semelhante, oferece orações e ações
de graças, segundo a sua capacidade, e o povo concorda dizendo amém.[7]
2.3 – A Harmonia Doutrinária
Um
livro para se canônico deveria ensinar fundamentado no que já havia sido
estabelecido; ou seja, se um livro ensinasse algo contrário aquilo que os
apóstolo e a sabedoria da Igreja sempre ensinou deveria se rejeitado como sendo
um livro não-canônico.
Estes
são os três fundamentais critérios para a questão do Cânon do Novo Testamento,
e sem eles nada podemos ensinar pregar, ou mesmo defender o evangelho.
2.4 – A Inspiração
O que
significa Inspiração? O termo é impróprio para aquilo que visa designar. Isto
porque o termo não seria inspiração (soprar para dentro), mas expiração (soprar
para fora); pois, foi isso que Deus fez conosco.
O que
entendemos por inspiração “como sendo a influência sobrenatural do Espírito de
Deus sobre os homens separados por ele mesmo, a fim de registrarem de forma
inerrante e suficiente toda vontade de Deus, constituindo esse registro na
única fonte e norma de todo o conhecimento cristão” [8]
De
acordo com o Novo Testamento a doutrina da inspiração diz respeito a Deus
soprar a sua revelação nas páginas das Escrituras (2 Timóteo 3.16). O leitror
deve também saber que existem várias teorias a respeito da inspiração.
2.4.1 - Concepção de
Inspiração Dinâmica:
Algumas
pessoas acham que a doutrina da Inspiração consiste em um ditado. Onde Deus
dinamicamente falou ao escritor sagrado palavra por palavra, ponto por ponto de
toda a Bíblia.
Essa
concepção ignora a existência de estilos variados nas Escrituras que negam a
possibilidade de um ditado. E a Escritura é clara quanto a existência de
estilos literários de cada escritor da mesmo, e, nós vemos isso na em 2 Pedro
3.13-16. Pedro reconhece que Paulo tem um estilo próprio ao escrever suas
cartas.
2.4.2 - Concepção de uma
iluminação:
Outra
ideia equivocada que geralmente ouvimos é que inspiração é a mesma coisa que
iluminação. Sendo apresentado a ideia de que os autores humanos das Escrituras
fossem apenas homens iluminados e nada mais do que isto.
2.4.3 – A Concepção da
Inspiração Plenária:
Devemos acreditar que a
inspiração das Escrituras está em toda a Bíblia, não são algumas partes que são
inspiradas e outra não. O conceito de Inspiração
Plenária. Desde o Gênesis até o apocalipse, tudo o que foi registrado, foi
por vontade de Deus (2 Timóteo 3.16; 2 Pedro 1.20-21)[9]
2.4.4 – A Concepção da
Inspiração Verbal:
Esta concepção deve ser
aceita como verdadeira, pois, entendemos que Deus falou sua palavra por meio
dos autógrafos originais a sua mensagem. (2 Samuel 23.2; Jeremias 1.9; Mateus 5.18;
1 Coríntios 2.13).
3. A DOUTRINA DA CANONICIDADE E OS APÓCRIFOS
A
doutrina do Cânon inevitavelmente nos levará para a questão dos livros chamados
de “Apocrifos”. O que é um livro apócrifo? Na concepção popular é um livro duvidoso. O
termo vem do grego e significa “sem assinatura”, ou seja, não possui assinatura de Deus. Também o termo pode ser
entendido como “oculto”. Indicando a não identificação de sua autoria.[10]
Por que eles são
classificados nesta categoria de livros sem assinatura? A resposta pode ser
apresentada em duas nagativas consistentes conforme aprendemos aqui nesta seção
da Confissão de Fé “Os livros geralmente
chamados Apócrifos, não sendo de inspiração divina, não fazem parte do cânon da
Escritura”.
3.1 - Por não serem inspirados não tem autoridade
sobre a Igreja.
Aqui nós aprendemos que somente os
livros canônicos podem ter autoridade de governo e doutrina sobre a vida da
Igreja, toda doutrina fundamentada em um livro não autorizado canonicamente é
uma heresia. Eles não devem ser usados como livros autoritativos na vida do
povo pactual de Deus.
3.2 – Devem ser
empregados como meros livros humanos.
O segundo aspecto que devemos levar
em consideração é o fato de que tais livros podem ser úteis pelo conhecimento
que transmitem. A Confissão de Fé de Westminster diz que tais livros “não são, portanto, de autoridade na Igreja
de Deus, nem de modo algum podem ser aprovados ou empregados senão como
escritos humanos. ”.
Nós devemos ler estes livros apócrifos, estudá-los buscar
compreendê-los, mas meramente como livros humanos. Paulo Anglada nos traz uma
palavra positiva sobre este tema:
Alguns dos apócrifos são realmente úteis
como fontes de informação a respeito de uma época importante da história do
povo de Deus: o período inter-testamentário. Os protestantes reconhecem o valor
histórico dele. Seguindo a prática dos primeiros cristãos, as edições modernas
protestantes da Septuaginta normalmente incluem os apócrifos , e até algumas
bíblias protestantes antigas os incluíam, no final, apenas como livros
históricos.[11]
Conclusão:
O
cânon das Escrituras nos foi dado para ser a nossa única regra de obediência e
prática; isto implica no fato de que as Escrituras conforme temos não é fruto
da tradição dos homens, mas da vontade de Deus que deseja orientar-nos por meio
de suas palavras registradas de forma clara e compreensível aos homens.
[1] ANGLADA, Paulo R. B. Sola
Scriptura – A doutrina Reformada das Escrituras. São Paulo: Os Puritanos,
1998, p.33-34.
[2] COSTA, Herminstem Maia Pereira da. Inspiração e Inerrância das Escrituras. São Paulo: Cultura Cristã,
1998, p.18-19
[3] GEISLER, Norman L. & NIX, William E. Introdução
Bíblica - Como a Bíblia chegou até nós.
Tradutor: Oswaldo Ramos. São Paulo: Vida, 1997, p.7
[4] GEISLER, Norman L. &
NIX, William E. Introdução Bíblica - Como a Bíblia chegou até nós. Tradutor: Oswaldo Ramos.
São Paulo: Vida, 1997, p. 8
[5] ANGLADA, Paulo R. B. Sola Scriptura – A doutrina Reformada das Escrituras. São Paulo: Os Puritanos,
1998, p.35.
[6] Eusébio de Cesárea, Apud, COSTA,
Herminstem Maia Pereira da. Inspiração e
Inerrância das Escrituras. São Paulo: Cultura Cristã, 1998, p.39.
[7] MÁRTIR, Justino. Primeira
Apologia, Cap. 67, In: Ante-nicene Fathers, p.69. [ênfase
nossa]
[8] COSTA, Herminstem Maia Pereira da. Inspiração e Inerrância das Escrituras. São Paulo: Cultura Cristã,
1998, p.98.
[9] COSTA, Herminstem Maia Pereira da. Inspiração e Inerrância das Escrituras. São Paulo: Cultura Cristã,
1998, p.99.
[10] O surgimento dos
livros apócrifos deve-se ao período intertestamentário, onde houve um silencio
profético de 400 anos a.C, o homem na ansiedade de ouvir uma voz profética
decidiu escrever obras nas quais tencionava dizer que Deus estava se revelando
ao seu povo. O silêncio profético compreende de Malaquias até Mateus.
[11] ANGLADA, Paulo R. B. Sola
Scriptura – A doutrina Reformada das Escrituras. São Paulo: Os Puritanos,
1998, p.41.