ESTUDOS NA CONFISSÃO DE FÉ DE WESTMINSTER
CAP.I - DA SAGRADA ESCRITURA
Prof. Rev. João Ricardo Ferreira de França
II – A NATUREZA DAS
ESCRITURAS.
SEÇÃO II – Sob o
nome de Escritura Sagrada, ou Palavra de Deus escrita, incluem-se agora todos os
livros do Velho e do Novo Testamento, que são os seguintes, todos dados por
inspiração de Deus para serem a regra de fé e de prática:
O Velho
Testamento: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números, Deuteronômio, Josué, Juízes,
Rute, 1 e 2 Samuel, 1 e 2 Reis, 1 e 2 Crônicas, Esdras, Neemias, Ester, Jó,
Salmos, Provér-bios, Eclesiastes, Cantares; Isaías, Jeremias, Lamentações,
Ezequiel, Daniel, Oséias, Joel, Amós, Obadias, Jonas, Miquéias, Naum,
Habacuque, Sofonias, Ageu, Zacarias e Malaquias.
O Novo
Testamento: Mateus, Marcos, Lucas, João, Atos dos Apóstolos, Romanos, 1 e 2
Coríntios, Gálatas, Efésios, Filipenses, Colossenses, 1 e 2 Tessalonicenses, 1
e 2 Timóteo, Tito, Filemon, Hebreus, Tiago, 1 e 2 Pedro, 1, 2 e 3 João, Judas e
Apocalipse.
Ref. Ef. 2:20;
Apoc. 22:18-19: II Tim. 3:16;
Mat. 11:27.
Vivemos em um tempo no qual a
natureza da Bíblia Sagrada não mais levada em consideração. Neste segundo
estudos estaremos nos concentrando na Natureza das Escrituras; pois, somente
assim poderemos perceber e viver a grandeza da Palavra de Deus. O que nós
podemos aprender desta segunda seção da Confissão de Fé de Westminster?
Vejamos:
1. A SACRALIDADE DA
PALAVRA.
A primeira consideração a ser feita é a questão da sacralidade da
Palavra de Deus. Os teólogos puritanos pensaram muito neste tema a ponto de
iniciarem esta seção com a seguinte declaração: “Sob o nome de Escritura Sagrada”
O que significa esta declaração?
1.1 – Significa
que a Palavra é Santa porque é fruto da vontade de Deus.
A santidade da Palavra de Deus é notada
e percebida porque a mesma é fruto da vontade de um ser que é sumamente santo –
esta vontade perfeita nos conclama a uma vida de obediência – isto tem
implicações significativas,pois, requer de nós que reconheçamos esta vontade
boa e perfeita: “E não vos conformeis com
este século, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente, para que
experimenteis qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus.”(
Romano 12:2 )
1.2 – Significa
que a Escritura é assim adjetivada porque é separada dos demais livros.
As religiões pelo mundo a fora
possuem seus livros. Todavia, apenas a Bíblia é capaz de libertar o homem, de
torná-lo sábio para a salvação. O apóstolo nos lembra: “ que,
desde a infância, sabes as sagradas letras, que podem tornar-te sábio para a
salvação pela fé em Cristo Jesus.”( 2 Timóteo 3.15).
Chama-nos atenção aqui neste texto é
o termo:“sagradas letras” -i`era. gra,mmata- hyerá gramata. O termo
usado para sagrada é de uma raiz que apenas o sacerdote dignificando assim a
natureza da Bíblia Sagrada. Então, a Bíblia continua sendo a Palavra de Deus.
2. A BÍBLIA COMO PALAVRA
DE DEUS.
Em nossos dias existe uma tentativa
de fazer uma distinção entre a Palavra de Deus e as Escrituras, ou melhor,
entre a Bíblia e a Palavra de Deus; e muitos, pensam que tal distinção é algo
novo; todavia, é tão antigo quanto qualquer outro ensinamento. Nesta seção que
estamos analisando temos uma resposta sobre a questão da Bíblia como palavra de
Deus.
Os autores da Confissão de Fé
declaram: “sob o nome de Sagrada Escritura, ou Palavra de Deus escrita”.
Aqui claramente se condenam diversos ensinos que surgiram na história da
Igreja e que continuam atuando na mente de muitas pessoas na atualidade, eis os ensinos que são
rejeitados:
2.1 – O
Liberalismo Teológico.
No século XVII e XIX surgiu um
movimento conhecido na história como Liberalismo
Teológico que em hipótese alguma considerava a Bíblia como Palavra
autoritativa de Deus. Eles ensinavam que
a Escritura era cheia de mitos. “Podemos definir o Liberalismo Teológico como o
esforço por interpretar, reformular e explicar a fé cristã dentro de uma
perspectiva iluminista”.[1]Ou seja, tudo aquilo que a
razão não pudesse explicar entrava na categoria de mito.
O Liberalismo aflora em 1920 e
encontra um opositor chamado John Gresham Machen, pastor presbiteriano, que
ecoa sua trombeta declarando ser o Liberalismo
Teológico um inimigo da fé cristã e sendo outra religião.[2] Um dos grandes expoentes
do pensamento liberal foi o Rodolph Bultmann que ensinava a Bíblia na Universidade
propondo que a mesma estivesse cheia de mitos, sendo assim, é necessário
tirar os mitos fundantes da Palavra de
Deus – e assim, nasce o processo
hermenêutico chamado de desmitologização das Escrituras.
Para o Liberal os milagres, as curas
e a ressurreição de Cristo não foram reais. Um exemplo clássico disso é a
multiplicação dos pães e peixes
realizada por Jesus, onde uma criança traz estes elementos. Bultmann ensina que
aquilo não aconteceu milagrosamente, mas que as pessoas viram a atitude do menino
e decidiram partilhar tudo o que tinham com o próximo – este é o ensino moral
da passagem segundo os liberais.
2.2 – O
Barthianismo ou Neo-ortodoxia.
Neste conflito entre os liberais e os conservadores surgiu um homem
chamado Karl Barth que desenvolveu um método para responder as criticas
liberais sobre as Escrituras. O método Barthiano
ficou conhecido como dialética ou
neo-ortodoxia. Para Barth a revelação
de Deus se dava em três esferas: na criação, no querygma [pregação] da igreja e
na Escritura – segundo ele Deus fala-nos por meio de uma Bíblia cheia de erros
e contradições.
A fragmentação da revelação pela
neo-ortodoxia gerou muitos problemas, porque na concepção barthiana havia parte
nas Escrituras que eram palavra de Deus e outras não; todavia, o ponto
culminante desta concepção de Barth era que para ele a Bíblia se tornava a
Palavra de Deus na pregação quando era sentida no coração do ouvinte, em outras
palavras o método de Barth era empirista [o conhecimento por meio da
experiência] – a medida avaliadora se a Bíblia era Palavra de Deus estava na experiência do individuo que a
recebesse como tal.
Todos estes dois ensinos não são
bíblicos, pois, sabemos que a Bíblia é a Palavra de Deus escrita. Ela não se
torna e nem se transforma quando a lemos ou a sentimos no coração. Ela aberta é
Palavra de Deus e fechada continua sendo
a mesma verdade divina. Nenhuma experiência pode aprovar ou desaprovar a
Palavra de Deus. Foi exatamente isso que o Senhor Jesus nos ensinou em Lucas
16.29-31:
Respondeu Abraão: Eles têm Moisés e os
Profetas; ouçam-nos. Mas ele insistiu:
Não, pai Abraão; se alguém dentre os mortos for ter com eles, arrepender-se-ão.
Abraão, porém, lhe respondeu: Se não ouvem a Moisés e aos Profetas, tampouco se
deixarão persuadir, ainda que ressuscite alguém dentre os mortos.
Esta passagem é importante para nós.
Pois, aqui temos uma história de dois homens um rico e um personagem chamado
Lázaro, ambos morrem um vai para o céu e outro para o inferno; todavia, o que
está no inferno [o rico] pede para que o
Pai Abraão enviasse Lázaro de volta para
mostrar aos seus irmãos que se eles morressem iriam para um lugar de tormentos;
mas, tal pedido lhe é negado. E por quê? O texto nos informa porque se eles não
escutam a Lei de Deus [Moisés e os Profetas] não importa os milagres que se faça, não importa a experiência que
tenham; a simples recusa em acreditar no que está escrito na Bíblia declara-os
réus do juízo de Deus.
3. A UNIDADE DA PALAVRA DE
DEUS.
O terceiro aspecto a ser considerado
nesta declaração da Confissão de Fé diz respeito a unidade das Escrituras;
pois, nos nossos dias ouvimos pessoas declararem que vivem no tempo da graça [
ou do Novo Testamento ] e que o tempo da Lei [ Antigo Testamento ] passou.
A Confissão de Fé de Westminster nos
ensina de forma clara e inquestionável a unidade das Sagradas Escrituras sob a seguinte declaração: “Sob
o nome de Escritura Sagrada [...] incluem-se agora todos os livros do Velho e
do Novo Testamento”. Aqui
temos uma resposta ao Dispensacionalismo que
tem ensinado uma ruptura entre o Antigo e Novo Testamento. E que nada do Antigo
Testamento se relaciona com o cristão do Novo Testamento.
A proposta enunciada por este princípio é que Deus tem dois povos. Esta
postura levanta um dos grandes problemas para os pregadores
de nossos dias: a quem deve ser dirigido o Antigo Testamento? A Bíblia de
Scofield acentua essa distinção nos seguintes temos:
Que o cristão
herda agora as promessas características dos judeus não foi ensinado nas Escrituras. O cristão é da semente celestial
de Abraão e participa das bênçãos espirituais da Aliança Abraâmica; mas Israel
como nação sempre terá o seu próprio lugar e ainda receberá a maior exaltação
como o povo de Deus na terra.[3]
O que nos
chama atenção na argumentação paulina é que ele diz “tudo” (o[sa- hosa) nada é deixado de fora; o que “foi
escrito antecipadamente” (proegra,fh – proegráfê)
tem por objetivo o ensino da Igreja. E assim a igreja neotestamentária é
confortada e consolada.
A visão interpretativa do
Dispensacionalismo ignora substancialmente o ensino de Romanos 11.17 “fomos enxertados na oliveira nos alimentamos da mesma raíz”; isto
indica que existe uma unidade basilar e necessária, pois, Deus não tem dois
povos, Greidanus comenta o seguinte:
Já que os antigos
israelitas e nós somos um povo da aliança por meio de Cristo, o Deus deles é o
nosso Deus, os antepassados deles são nossos antepassados, a história deles é a
nossa história, e a esperança deles é a nossa esperança. Do mesmo modo, os livros deles são os nossos livros, pois os livros que
Deus tinha pretendido, antes de tudo para eles são “úteis” também para nós
(2 Tm.3.16)[4].
Então, devemos rejeitar toda e
qualquer noção de ruptura entre o Antigo e Novo Testamento não autorizado pela
Palavra de Deus; existem descontinuidades sim entre o Antigo Testamento não
autorizado pela Palavra de Deus; existem descontinuidades sim entre o Antigo e
o Novo Testamentos, mas nada que seja para descartar a totalidade da revelação
veterotestamentária.
4. A PALAVRA DE DEUS COMO
NOSSA REGRA.
Os puritanos confessionais
declararam: “todos dados por inspiração de Deus para serem a regra de fé e de
prática”. O que é a Escritura sagrada para nós?
4.1 – Uma Regra
de Fé.
O que significa dizer que a Bíblia é
a nossa regra de fé? É que tudo o que nós fazemos em matéria de adoração e
culto deve está fundamentado na Palavra de Deus; ou seja, tudo o que nós cremos
deve ter base bíblica. Devemos estar fundamentados na doutrina dos apóstolos e
profetas: “edificados sobre o fundamento dos apóstolos e profetas, sendo ele
mesmo, Cristo Jesus, a pedra angular;”(Efésios 2.20).
Tudo aquilo que nós realizamos em
matéria de fé deve ser aprovado pelas Escrituras, qualquer crença ou
ensinamento deve ser proposto apartir das
Escrituras, seguindo os métodos coerentes de interpretação Bíblica, por meio da
análise contextual da passagem, a
intenção do autor e a gramática exegética do texto. Este é o ponto que
precisamos considerar sempre que desejamos aplicar um ensino na vida da igreja
a partir das Escrituras.
4.2 – Uma Regra
de Conduta.
O segundo aspecto que precisamos
analisar nesta declaração confessional é que a Bíblia também é a nossa regra de
prática ou conduta. Durante muito tempo se perguntou se os cristãos deveriam
ter um manual de ética – e a resposta é um ressonante não! Isto porque a Bíblia
já a nossa regra de conduta.
Isto significa que a nossa ética e
moralidade deve ser baseado naquilo que as Escrituras determinam que façamos;
pois, toda conduta que esteja em desarmonia com as Escrituras deve ser
corrigida, tratada e modificada. A Escritura não nos foi dada apenas para
questões doutrinárias, mas também para questões práticas: “Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a
repreensão, para a correção, para a educação na justiça, a fim de que o homem
de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra.” (2
Timóteo.3.16-17 ).
Todo o nosso comportamento e vida
cristã devem ser baseados e alicerçados pela Palavra inerrante de Deus –
ortodoxia e ortopraxia devem ser sempre andar jutos na nossa vida cristã.
Conclusão: A natureza das
Escrituras nos mostra a grandeza de Deus em se comunicar com o seu povo.
Revelando a santidade de sua mensagem, mostrando-nos que ela é de fato a sua palavra
revelacional e por causa disso, vemos a coerência e harmonia entre os dois
testamentos que nos conduz para uma vida prática na aplicação de nossa
doutrina.
[1] COSTA, Herminstem Maia Pereira da. Raízes da Teologia Contemporânea. São Paulo: Editora Cultura
Cristã, 2004, p.287
[2] Para um estudo profundo deste assunto recomenda-se a leitura de:
MACHEN, J. Gresham. Cristianismo e
Liberalismo. Tradução: Denise Pereira Meister. São Paulo: Editora os Puritanos,
2011.
[3] Apud, SANTOS, Valdeci S. Anotações da Bíblia de Scofield sob uma
ótica Reformada. In: FIDES REFORMATA, janeiro – junho, 2000, vol. V, n. 1,
pp. 135 – 148.
[4] GREIDANUS, Sidney. O Pregador
Contemporâneo e o Texto Antigo – Interpretando e Pregando Literatura Bíblica.
Tradutor: Edmilson Francisco Ribeiro. São Paulo: Cultura Cristã, 2006, p.211.
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