ESTUDOS NA CONFISSÃO DE FÉ DE WESTMINSTER
DA SAGRADA ESCRITURA CAP. I
Prof. Rev. João Ricardo Ferreira de França.
I - TEOLOGIA DA REVELAÇÃO
SEÇÃO I
I. Ainda que a
luz da natureza e as obras da criação e da providência de tal modo manifestem a
bondade, a sabedoria e o poder de Deus, que os homens ficam inescusáveis,
contudo não são suficientes para dar aquele conhecimento de Deus e da sua
vontade necessário para a salvação; por isso foi o Senhor servido, em diversos
tempos e diferentes modos, revelar-se e declarar à sua Igreja aquela sua
vontade; e depois, para melhor preservação e propagação da verdade, para o mais
seguro estabelecimento e conforto da Igreja contra a corrupção da carne e
malícia de Satanás e do mundo, foi igualmente servido fazê-la escrever toda.
Isto torna indispensável a Escritura Sagrada, tendo cessado aqueles antigos
modos de revelar Deus a sua vontade ao seu povo.
Ref. - Sal. 19:
1-4; Rom. 1: 32, e 2: 1, e 1: 19-20, e 2: 14-15; I Cor. 1:21, e 2:13-14; Heb. 1:1-2; Luc. 1:3-4; Rom.
15:4; Mat. 4:4, 7, 10; Isa. 8: 20; I Tim. 3: I5; II Pedro 1: 19.
Estamos diante de uma grande
declaração de fé. Chama-nos a atenção o fato de que a Confissão de Fé de
Westminster não comece sua declaração doutrina com o estudo do ser de Deus. Por
quê? Qual a razão dos teólogos puritanos não iniciarem sua confessionalidade
com o ser de Deus? As teologias sistemáticas de nossos dias começam com esta
noção em primeiro plano, mas a nossa Confissão de Fé não segue este caminho.
A resposta para esta posição está no
fato de que nós não podemos conhecer a Deus sem que primeiro ele se revele a
nós. É de fundamental importância reconhecermos que o estudo da Teologia não é
em primeiro plano o estudo do ser de Deus, mas o estudo de sua revelação, ou
como coloca-nos Gordon Clarck: “A Escritura
fala-nos de Deus; por isso, deveríamos estudá-la” [1] Esta é a razão principal pela qual devemos sempre estudar a Bíblia.
A Bíblia em sua totalidade fala-nos
de um ser Soberano governador de todas as coisas isso é pressuposto por todos
aqueles que acr1editam ser a Bíblia uma fonte confiável da verdade. O que podemos aprender desta primeira seção
da Confissão de Fé de Westminster?
1 – A REVELAÇÃO GERAL.
A primeira questão a ser entendida
deve ser o conceito fundamental do que venha a ser revelação. O que é
revelação? James I. Packer nos apresenta o seguinte conceito mostrando que “o
termo procede do latim “revelare” e
significa “tirar o véu” ou “descobrir” [2] Este é o conceito mais básico que podemos ter a respeito deste
vocábulo.
1.1 – O que é a revelação Geral?
Podemos apresentar a questão da revelação sob a seguinte definição “como aquela forma de Deus se revelar por
meio das coisas que foram criadas” a revelação geral tem dois aspectos: (1)
Revelação Geral Imediata (2) Revelação Geral Mediada.
1.1.1 – Revelação Geral Imediata.
A
Confissão de Fé de Westminster começa a sua declara em termos interessantes e
importantes para a vida da Igreja: “Ainda que a luz da natureza [ no homem]”[3]
Este aspecto da revelação de Deus diz respeito aquela revelação que Deus faz de
si mesmo ao homem sem precisar de meios para fazê-lo, por exemplo, quando a Lei
de Deus foi implantada no coração de todos os homens, conforme aprendemos na
Escritura conforme vemos em Romanos 2.14-16:
Quando, pois, os gentios, que não têm lei,
procedem, por natureza, de conformidade com a lei, não tendo lei, servem eles
de lei para si mesmos. Estes mostram a norma da lei gravada no seu coração,
testemunhando-lhes também a consciência e os seus pensamentos, mutuamente
acusando-se ou defendendo-se, no dia em que Deus, por meio de Cristo Jesus,
julgar os segredos dos homens, de conformidade com o meu evangelho.
Observe a
expressão "norma da lei gravada no coração”; [4]
a palavra norma no grego = ergon no
grego que significa trabalho de onde vem a nossa palavra energia o trabalho da lei. A segunda palavra que aparece no texto
de romanos é "gravada" a palavra grega aqui é grapton = esculpir,
registrar, entalhar a obra da lei foi esculpida ou trabalhada em nossos
corações; a isto nós chamamos de Revelação Geral Imediata.
Calvino chama isso de semente da religião ou senso da
divindade:
Nós, inquestionavelmente, afirmamos que os homens têm em si
mesmos certo senso da divindade; e isto, por um instinto natural. ...Deus mesmo
dotou todos os homens com certo conhecimento de sua divindade, cuja memória ele
constantemente renova e ocasionalmente amplia.[5]
É uma revelação direta de Deus sem meios ao
homem, por isso, se chama de revelação geral imediata. Isso implica no fato de que
ninguém nasce ateu neste mundo criado, pois, todos os homens nascem com o senso
de Deus implantado dentro deles; e mais, que isso o homem é um ser moral porque
a lei foi colocada em seu coração.
1.1.2 – Revelação Geral Mediata:
Ainda lemos na Confissão de Fé de Westminster o seguinte: “[...]e as
obras da criação e da providência de tal modo manifestem a bondade, a sabedoria
e o poder de Deus[...]”. Podemos definir este aspecto da revelação
geral consiste no fato de Deus dá-se a
conhecer por meio das coisas que foram criadas. Paulo Anglada nos lembra que
o “universo físico é uma pregação” [6]
ao declarar isso tem em mente textos das Escrituras como Salmo 19.1-4:
Os céus proclamam a glória de Deus, e o firmamento anuncia as obras das
suas mãos. Um dia discursa a outro dia, e uma noite revela conhecimento a outra
noite. Não há linguagem, nem há palavras, e deles não se ouve nenhum som; no
entanto, por toda a terra se faz ouvir a sua voz, e as suas palavras, até aos
confins do mundo. Aí, pôs uma tenda para o sol.
Aqui vislumbramos a noção de
que a revelação de Deus para ser comunicada necessita de meios. O texto que
temos diante de nós nos apresenta essa verdade.
O que faz os céus? “proclamam a glória de Deus”, o verbo proclamar no hebraico é “mesaperim” ~yriPe.s;)me. este verbo
tem o sentido de “narrar”, “contar com exatidão”, “revelar”, “pregar”, “ser
selecionado e destinado para contar algo”. A criação é o canal no qual Deus se
apresenta diante dos homens como sendo o criador de tudo o que existe. Neste
sentido podemos dizer, sem sombra de dúvida, que a criação é puramente
revelacional. Ela não está vinculada a uma crença peculiar do judaísmo sobre a
origem de todas as coisas. Antes de tudo é a própria revelação de Deus.
Paulo vai ecoar esta mesma tônica sobre a Revelação geral de Deus na
criação conforme vemos em Romanos 1.18-20:
A
ira de Deus se revela do céu contra toda impiedade e perversão dos homens que
detêm a verdade pela injustiça; porquanto o que de Deus se pode conhecer é
manifesto entre eles, porque Deus lhes manifestou. Porque os atributos
invisíveis de Deus, assim o seu eterno poder, como também a sua própria
divindade, claramente se reconhecem, desde o princípio do mundo, sendo
percebidos por meio das coisas que foram criadas. Tais homens são, por isso,
indesculpáveis;
Tudo
o que homem pode conhecer sobre Deus como criador de tudo o que existe está
ligado à criação. Isso é bem ilustrado no texto que acabamos de citar. Paulo
reconhece que a criação é revelacional, ela nos apresenta Deus.
Os
atributos de Deus são manifestados neste aspecto da Revelação Geral. A bondade
de Deus; a sabedoria e o poder. Isto implica que toda a criação que vemos
mostra-nos Deus nestas três facetas: ele é bom poque decidiu criar-nos, ele é
sábio poque sabe porque nos trouxe à existência e é poderoso porque do nada
criou todo o universo que conhecemos.
1.2
– A Revelação Geral e o Conhecimento
Redentivo.
Na
revelação geral o homem não tem um
conhecimento redentivo. Ou seja, ele não é salvo porque contempla o vê as obras
da criação e da providência; a Confissão de Fé é enfática neste aspecto, ao
declarar “que os homens ficam inescusáveis, contudo não são
suficientes para dar aquele conhecimento de Deus e da sua vontade necessário
para a salvação;”.
A
revelação geral torna o homem mais cupável diante de Deus; eles ficam
indesculpáveis diante de Yahweh
conforme lemos em Romanos 1.20:
“Porque os atributos invisíveis de Deus, assim o seu eterno poder, como também
a sua própria divindade, claramente se reconhecem, desde o princípio do mundo,
sendo percebidos por meio das coisas que foram criadas. Tais homens são, por isso,
indesculpáveis;”. Ainda que o homem tenha esse conhecimento de Deus que
fica indesculpável, pois, este conhecimento não pode promover o conhecimento de
Deus como redentor, apenas mostra-nos Yahweh
como o Criador de tudo o que há.
2 – REVELAÇÃO ESPECIAL.
Isto posto somos agora
introduzidos ao segundo aspecto da revelação de Deus. Deus ele se revela
redentoramente ao homem de uma forma especial; esta forma é chamada pela
teologia de Revelação Especial. Poderíamos dizer que a Revelação Especial de Deus é
uma forma de revelação mediada, pois, ela significa que Deus revelou-se nas
páginas das Escrituras. Ou seja, toda a Bíblia é a revelação de Deus. Na Bíblia
Deus se revela como criador e redentor do homem.
A Confissão de Fé
nos apresenta uma definição ímpar deste aspecto da Revelação de Deus:
[...]por isso foi o Senhor servido, em diversos
tempos e diferentes modos, revelar-se e declarar à sua Igreja aquela sua
vontade; e depois, para melhor preservação e propagação da verdade, para o mais
seguro estabelecimento e conforto da Igreja contra a corrupção da carne e
malícia de Satanás e do mundo, foi igualmente servido fazê-la escrever toda.
[...]
Aqui são importantes aspectos que
precisam ser estudados com mais parcimônia. Esta declaração dos teólogos de
Westminster. Pois, nesta declaração temos conceitos importantes para
compreendermos a Revelação de Deus nas Escrituras.
2.1 – A Natureza desta Revelação:
Aqui temos a caracterização desta
revelação de Deus dada ao homem, isto pode nos ajudar a entender a supremacia
da Palavra de Deus para o homem.
2.1.1 – Ela
era Progressiva
A Confissão reconhece o conceito de
progressividade da revelação ao dizer: “por isso foi o Senhor servido, em
diversos tempos e diferentes modos, revelar-se”
aqui nós temos o conceito de progressividade “diversos tempos e diferentes
modos, revelar-se”, ou seja, Deus revelou sua palavra em diferentes locais. O
autor da carta aos hebreus nos lembra esta grande verdade: “Havendo Deus,
outrora, falado, muitas vezes e de muitas maneiras, aos pais, pelos profetas,
nestes últimos dias, nos falou pelo Filho, a quem constituiu herdeiro de todas
as coisas, pelo qual também fez o universo.”(Hebreus 1.1-2)
2.1.2
– Ela era Orgânica:
A revelação especial é orgânica –
ela é a mesma mensagem tem o mesmo conteúdo desde o seu inicio; o conceito de
orgânica pode ser exemplificado do seguinte modo imaginemos que temos um caroço
de manga que plantamos naquela semente temos a mangueira de forma potencial,
quando ele germina e cresce, assim, temos a mangueira que é o caroço de manga
plantado.
2.2 – A Finalidade da Revelação Especial:
Aprendemos pela Confissão de Fé de Westminster que a Revelação
Especial tem objetivos específicos na vida do povo de Deus, eis o que diz a
nossa declaração de fé:
“[...] e
depois, para melhor preservação e propagação da verdade, para o mais seguro
estabelecimento e conforto da Igreja contra a corrupção da carne e malícia de
Satanás e do mundo, [...]”
2.2.1 – Preservação da Verdade:
Deus em sua santa e sábia sabedoria
decidiu que a sua revelação tinha que ser preservada; a verdade é preservada
por Deus, por meio da revelação especial – a doutrina da preservação traz paz
ao coração da Igreja em saber que a mensagem redentora de Deus não se perdeu no
tempo. A Escritura nos mostra isso de forma bem clara: “Para que a tua confiança esteja no SENHOR, quero dar-te hoje a
instrução, a ti mesmo. Porventura, não te escrevi excelentes coisas acerca de
conselhos e conhecimentos, para
mostrar-te a certeza das palavras da verdade, a fim de que possas responder
claramente aos que te enviarem?”(Provérbios 22.19-21)
Nós temos a certeza de que as
palavras que lemos na Bíblia é verdade de Deus porque ele assim o quis.
2.2.2 – Propagação da Verdade:
A verdade não deveria apenas ser
preservada, mas também ser propagada, anunciada, dita e proclamada. Deus
preservou as suas palavras para que a partilhemos com os outros, uma vez que
nós precisamos da verdade para nos orientar, nos guiar na tomada de decisões de
igual modo ela deve ser propagada aos homens. Foi o que Lucas fez: “igualmente a mim me pareceu bem, depois de
acurada investigação de tudo desde sua origem, dar-te por escrito,
excelentíssimo Teófilo, uma exposição em ordem, para que tenhas plena certeza
das verdades em que foste instruído”.(Lucas 1.3-4)
2.2.3 – A Santidade da Igreja:
A Escritura como revelação de Deus é
dada “para o mais seguro estabelecimento e conforto da Igreja contra a
corrupção da carne e malícia de Satanás e do mundo”
Ou seja, a igreja não é enganada
quando tem a Escritura como centro de sua vida, e se há hoje enganos na Igreja
é porque se está negligenciado a Escritura. Isto porque a Igreja tem três
grandes inimigos: a corrupção da carne, a malicia do acusador e acusação do
mundo. Por isso, com a Escritura a Igreja é santificada. Sem ela os homens não
podem ser consolados e santificados: Rom. 15:4; Mat. 4:4, 7, 10; Isa. 8: 20.
3 – CARACTERÍSTICAS DA
REVELAÇÃO.
A nossa Confissão de Fé, com base na
Palavra de Deus, apresenta-nos duas características importantes a respeito da
revelação especial, quando afirma: “[Deus] foi igualmente servido fazê-la escrever
toda. Isto torna indispensável a Escritura Sagrada, tendo cessado aqueles
antigos modos de revelar Deus a sua vontade ao seu povo. ”
3.1 - É uma revelação completa: “foi
servido escrever toda”
Aqui nós aprendemos que à Escritura
nada a falta está completa para aquilo que ela se destina revelar ao homem. O
apóstolo Paulo já dá mostra desta verdade em Romanos 15.4: “Pois tudo quanto, outrora, foi escrito para o nosso
ensino foi escrito, a fim de que, pela paciência e pela consolação das
Escrituras, tenhamos esperança.”
3.2 - É um a revelação suficiente: “isto torna a
escritura indispensável, tendo cessado as antigas formas de Deus se comunicar”.
O registro da verdade gera a
infalibilidade e a suficiência da Palavra de Deus. Os teólogos chamam esta verdade de Sola Scriptura – Somente as Escrituras, indicando assim, que
aquelas antigas formas de Deus se comunicar, como sonhos, profecias, visões e
línguas já cessaram a muito tempo [discutiremos isso com mais propriedade em
outro estudo]. A palavra de Deus nos é
suficiente conforme lemos na Bíblia Sagrada em 2 Timóteo 2.15-17:
e que, desde a infância,
sabes as sagradas letras, que podem tornar-te sábio para a salvação pela fé em
Cristo Jesus. Toda a Escritura é
inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção,
para a educação na justiça, a fim de que
o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra.
Conclusão: Temos visto que o estudo
da Revelação de Deus nos ajuda a compreender mais sobre ele e a sua palavra que
nós foi manifestada; as implicações disso são importantes e severas para nós.
Precisamos estudar a Palavra de Deus para que assim possamos saber como
adorá-lo como convém e amá-lo com todo o nosso entendimento.
[1] CLARCK, Gordon. H. Em Defesa da Teologia. Tradutor: Marcos
José Soares de Vasconcelos. Brasília: Editora Monergismo, 2010, p.21.
[2] PACKER, James I. Vocábulos de Deus. São Paulo: FIEL, 2002, p.15
[3] Devemos entender que a CFW [Confissão de Fé de Westminster] tem o
entendimento que a frase “luz da natureza diz respeito a semente da religião
implantada no ser humano”
[4] to.
e;rgon tou/ no,mou grapto.n evn tai/j kardi,aij auvtw/n – to ergon tou nomou grapton en tais
kardiais autôn – Literalmente: a obra da lei esculpida nos corações deles.
[6] ANGLADA, Paulo R. B. Sola Scriptura – A doutrina Reformada das
Escrituras. São Paulo: Os Puritanos, 1998, p.26
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