O SURGIMENTO DO
ANTICRISTO.
Por: Rev. David Chilton
Tradução: Rev. João Ricardo Ferreira de França
De acordo com as palavras de Jesus
em Mateus 24, uma das crescentes características da época que procederia ao
colapso de Israel seria a apostasia
dentro da igreja cristã. Isto já foi mencionado antes, porém um estudo mais
concentrado neste ponto lançará muita luz sobre um bom numero de pontos da
discussão relacionados no Novo Testamento – pontos que geralmente tem sido mal
compreendido.
De modo geral, pensamos no período
apostólico como uma época de evangelismo tremendamente explosivo e crescimento
da i©greja, uma “idade de ouro”, quando assombrosos milagres ocorriam todos os
dias. Esta imagem comum é substancialmente correta, porém sofre de uma
flagrante omissão. Tendemos a descuidar do fato de que a igreja primitiva era o
cenário do mais dramático broto da heresia da história mundial.
A grande
apostasia.
A igreja começou a ser infiltrada
pela heresia no inicio de seu desenvolvimento. Atos 15 registra a reunião do
primeiro concílio da igreja, que foi convocado para pronunciar decisão
autorizada sobre o ponto em discussão da justificação pela fé (alguns mestres
estavam advogando pela falsa doutrina de que se haveria de guardar as leis cerimoniais
do Antigo Testamento para ser justificado). Contudo, o problema não morreu;
anos mais tarde, Paulo teve que lidar com ele novamente, em uma carta às
igrejas da Galácia. Como Paulo lhes disse, esta aberração doutrinária não era
coisa de pouca importância, mas que afetava a própria salvação: era um
“evangelho diferente”. Uma completa distorção da verdade, e equivalia a
repudiar ao próprio Jesus Cristo. Usando alguns dos mais severos termos de sua
carreira, Paulo pronunciou uma condenação sobre os “falsos irmãos” que ensinavam
esta heresia (veja-se: Gálatas 1.6-9;2.5,11-21; 3.1-3; 5.1-12).
Paulo também previu que as heresias
infectariam as igrejas da Ásia Menor. Convocando aos presbíteros de Éfeso, lhe
exortou a “olhar por eles mesmos e por todo rebanho” por que “eu sei que depois
da minha partida entrarão no meio de vós lobos vorazes, que não pouparão o
rebanho. E de vós mesmos se levantarão homens que falarão coisas perversas para
arrastar após si os discípulos” (Atos 20.28-30). Tal como o havia predito
Paulo, as falsas doutrinas se converteram em pontos de disputa de enormes proporções
nestas igrejas. Até que o livro de Apocalipse fosse escrito, algumas destas igrejas
haviam sido arruinadas quase completamente pelo avanço das doutrinas heréticas
e a apostasia resultante disto (Apocalipse 2.2,6,14-16,20-24; 3.1-4,15-18).
Porém o problema das heresias não
limitava a nenhuma área geográfica nem cultural. Estava muito espalhado, e se
tornara mais e mais o tema do conselho apostólico e da supervisão pastoral à
medida que o tempo se passava. Alguns hereges ensinavam que a ressurreição
final já havia ocorrido (2ª Timóteo 2.18), enquanto que outros afirmavam que a
ressurreição era impossível (1ª Coríntios 15.12); alguns ensinavam doutrinas
estranhas de asceticismo e culto aos anjos (Colossenses 2.8,18-23; 1ª Timóteo
4.1-3), enquanto que outros advogavam toda classe de imoralidades e rebeliões
em nome da “liberdade” (2ª Pedro 2.1-3,10-22; Judas 4,8,10-13,16). Repetidas
vezes, os apóstolos se encontraram pronunciando severas admoestações contra a
tolerância de falsos mestres e “falsos apóstolos” (Romanos 16.17-18; 2ª
Coríntios 11.3-4, 12-15; Filipenses 3.18-19; 1ª Timóteo 1.3-7; 2ª Timóteo
4.2-5), porque estes haviam sido a causa de deserções volumosas da fé, e a extensão da apostasia estava
aumentando a medida que o tempo passava (1ª Timóteo 1.19-20; 6.20-21; 2ª
Timóteo 2.16-18; 3.1-9,13; 4.10,14-16) uma das últimas cartas do Novo
Testamento, o livro de Hebreus, foi dirigido a uma comunidade cristã inteira
quando estava a ponto de ocorrer uma deserção em massa de cristãos. A igreja
cristã da primeira geração não só foi caracterizada pela fé e pelos milagres;
também se caracterizou pela crescente impiedade, rebelião, e heresia dentro da
própria comunidade cristã – tal como Jesus havia predito em Mateus 24.
O anticristo.
Os cristãos tinha um termo
especifico para esta apostasia. Chamavam-na de anticristo. Muitos escritores populares têm especulado sobre este
termo, de modo geral estão deixando de considerar seu uso na Escritura. Em
primeiro lugar, considere um fato que sem dúvida causará impacto em algumas pessoas:
a palavra “anticristo”nunca ocorre no livro de Apocalipse. Nem
uma vez sequer. Mas, o termo é usado rotineiramente pelos mestres cristãos como
sinônimo da “besta” de Apocalipse 13. Obviamente, não há dúvidas de que a besta
é um inimigo de Cristo, e que, por esta razão, é um “anti”Cristo nesse sentido;
contudo, o que quero dizer é que o termo
anticristo usa-se em um sentido muito
específico, e essencialmente não está relacionado com a figura conhecida como a
“besta” e “666”.
Um erro adicional ensina que “o
anticristo” é um individuo específico; conectada com isto está à ideia de que
“ele” é alguém que fará sua aparição no fim do mundo. O Novo Testamento contradiz
ambas as ideias, da mesma forma que a primeira.
Na realidade os únicos casos em que aparece o termo anticristo são os seguintes versículos nas cartas do apóstolo João:
Filhinhos,
já é a última hora; e, como ouvistes que vem o anticristo, também, agora,
muitos anticristos têm surgido; pelo que conhecemos que é a última hora. Eles
saíram de nosso meio; entretanto, não eram dos nossos; porque, se tivessem sido
dos nossos, teriam permanecido conosco; todavia, eles se foram para que ficasse
manifesto que nenhum deles é dos nossos. Quem é o mentiroso, senão aquele que
nega que Jesus é o Cristo? Este é o anticristo, o que nega o Pai e o Filho.
Todo aquele que nega o Filho, esse não tem o Pai; aquele que confessa o Filho
tem igualmente o Pai. Isto que vos acabo de escrever é acerca dos que vos
procuram enganar.
(1ª
João 2.18-19, 22-23, ARA)
Amados,
não deis crédito a qualquer espírito; antes, provai os espíritos se procedem de
Deus, porque muitos falsos profetas têm saído pelo mundo fora. Nisto
reconheceis o Espírito de Deus: todo espírito que confessa que Jesus Cristo
veio em carne é de Deus; e todo espírito que não confessa a Jesus não procede
de Deus; pelo contrário, este é o espírito do anticristo, a respeito do qual
tendes ouvido que vem e, presentemente, já está no mundo. Filhinhos, vós sois
de Deus e tendes vencido os falsos profetas, porque maior é aquele que está em
vós do que aquele que está no mundo. Eles procedem do mundo; por essa razão,
falam da parte do mundo, e o mundo os ouve. Nós somos de Deus; aquele que
conhece a Deus nos ouve; aquele que não é da parte de Deus não nos ouve. Nisto
reconhecemos o espírito da verdade e o espírito do erro.
(1ª João 4.1-6 ARA)
Porque
muitos enganadores têm saído pelo mundo fora, os quais não confessam Jesus
Cristo vindo em carne; assim é o enganador e o anticristo. Acautelai-vos, para
não perderdes aquilo que temos realizado com esforço, mas para receberdes
completo galardão. Todo aquele que ultrapassa a doutrina de Cristo e nela não
permanece não tem Deus; o que permanece na doutrina, esse tem tanto o Pai como
o Filho. Se alguém vem ter convosco e não traz esta doutrina, não o recebais em
casa, nem lhe deis as boas-vindas. Porquanto aquele que lhe dá boas-vindas
faz-se cúmplice das suas obras más.
(2ª João 7-11 ARA)
Os textos citados acima compreendem
todas as passagens bíblicas que mencionam a palavra anticristo, e delas podemos extrair várias conclusões importantes:
Primeira, os cristãos já haviam sido advertidos da vinda do anticristo (1ª
João 2.18; 4.3).
Segunda, não havia apenas um, mas “muitos anticristos” (1ª João 2.18), por
conseguinte, o termo anticristo não pode ser simplesmente a
designação de um indivíduo.
Terceira, o anticristo já estava em operação, como escreveu
João: “muitos anticristos têm surgido” (1ª João 2.18 ARA) “Isto que vos
acabo de escrever é acerca dos que vos procuram
enganar”. (1ª João 2.26 ARA); “este é o espírito do anticristo, a
respeito do qual tendes ouvido que vem e, presentemente,
já está no mundo.” (1ª João 4.3 ARA); “Porque muitos enganadores
têm saído pelo mundo fora, [...] assim é
o enganador e o anticristo.” (2ª João 1.7 ARA). Obviamente, se o
anticristo já estava presente no primeiro século, não era alguma figura que se
levantaria no fim do mundo.
Quarta, o anticristo era um sistema de incredulidade, particularmente
a heresia de negar a pessoa e a obra de Cristo Jesus. Ainda que os anticristos
aparentemente afirmavam pertencer ao Pai, ensinavam que Jesus não era o Cristo
(João 2.22); junto com os falsos profetas (1ª João 4.1), negavam a encarnação
(1ª João 4.3; 2ª João 7,9); e rejeitavam a doutrina apostólica (1ª João 4.6).
Quinta, os anticristos haviam sido
membros da igreja cristã, porém haviam apostatado (1ª João 2.19). Agora estes
apóstatas tentavam enganar a outros cristãos, para distanciá-los da igreja
completamente de Cristo Jesus (1ª João 2.26; 4.1; 2ª João 7,10).
Juntando tudo isto, não podemos
deixar de ver que o anticristo é uma descrição tanto de um sistema de apostasia como dos apóstatas
individuais. Em outras palavras, o anticristo era o cumprimento da profecia
de Jesus de que viria um tempo de grande apostasia, quando “muitos hão de se
escandalizar, trair e odiar uns aos outros; levantar-se-ão muitos falsos
profetas e enganarão a muitos.” (Mateus 24.10-11 ARA). Como disse
João, os cristãos haviam sido advertidos da chegada do anticristo; e efetivamente,
haviam sido advertidos da chegada do anticristo; e efetivamente, haviam surgido
“muitos anticristos”. Durante um tempo, haviam crido no evangelho; mais tarde,
haviam abandonado a fé, e haviam ido por ali procurando enganar aos outros, e
se foi iniciando novas seitas ou, mais provavelmente, tratando de trazer para
os cristão pra o judaísmo – a falsa religião que afirmava adorar ao Pai
enquanto negava ao Filho. Quando a doutrina do anticristo se entende, encaixa
perfeitamente com o resto do que nos ensina o Novo Testamento sobre a época da
“última geração”.
Um dos anticristos que afligiu a
igreja primitiva foi Cerinto, líder de uma seita judaica do primeiro século.
Considerado pelos pais da igreja como “o arque herege”, e identificado como um
dos “falsos apóstolos” que se opunha a Paulo, Cerinto foi um judeu que
ingressou na igreja e começou a atrair os cristãos para fora da fé ortodoxa.
Ensinava que uma deidade menor, não é o Deus verdadeiro, havia criado o mundo
(sustentando, como os gnósticos, que Deus era super “espiritual” para ocupar-se
da realidade material). Logicamente, isto significava também a negação da
encarnação, posto que Deus não assumiria um corpo físico e uma personalidade
verdadeiramente humana. E Cerinto era consistente: declarava que Jesus havia
sido meramento um ser humano ordinário, não nascido de uma virgem; que “o
cristo” (um espírito celestial) havia descido sobre o homem Jesus quando ele
foi batizado (permitindo-lhe realizar milagres), mas que o havia abandonado na
crucificação. Também, Cerinto defendia uma doutrina da justificação pelas obras
– em particular, a absoluta necessidade de observar as ordenanças cerimoniais
do Antigo Pacto – para ser salvo.
Também, Cerinto foi aparentemente o
primeiro a ensinar que a segunda vinda anunciaria um reino de Cristo literal em
Jerusalém durante mil anos. Ainda que isto não fosse contrário ao ensino apostólico
do reino, Cerinto afirmava que um anjo lhe havia revelado esta doutrina (de
modo similar ao de Joseph Smith, um anticristo do século dezenove, que mais
tarde afirmaria haver recebido uma revelação angélica)
Os verdadeiros apóstolos se opuseram
severamente à heresia de Cerinto. Paulo admoestou as igrejas: “Mas, ainda que
nós ou mesmo um anjo vindo do céu vos pregue evangelho que vá além do que vos temos
pregado, seja anátema”. (Gálatas 1.8 ARA). Na mesma carta, Paulo
passou a refutar as heresias legalistas sustentadas por Cerinto. Segundo a
tradição, o apóstolo João escreveu seu evangelho e suas cartas tendo em mente a
Cerinto. (Também se nos diz que, ao entrar João no banho público, viu este
anticristo diante dele. O apóstolo deu meia volta imediatamente e saiu
correndo, enquanto exclamava: “Fujamos, antes que o prédio caia sobre nós;
porque Cerinto, o inimigo da verdade está dentro!”).
Voltando para as afirmações de João
sobre o espírito do anticristo devemos notar que João dá ênfase a outro ponto
adicional, é muito significativo: como Jesus predisse em Mateus 24, a vinda do
anticristo é um sinal do “fim”. “Filhinhos, já
é a última hora; e, como ouvistes que vem o anticristo, também, agora,
muitos anticristos têm surgido; pelo que
conhecemos que é a última hora”. (1ª João 2.18 ARA). A conexão
que a gente geralmente faz entre o anticristo e “os últimos dias” é bastante
correta; porém o que geralmente se passa desapercebido é o fato da expressão
“os últimos dias”, e termos similares, se usam na Bíblia para referir-se, não ao fim do mundo físico, mas aos últimos dias da nação de Israel, os
“últimos dias” que terminaram na
detruição do templo no ano 70 d.C. Isto também será uma surpresa para
muitos; porém temos que aceitar o claro ensino da Escritura. Os autores do Novo
Testamento usaram inquestionavelmente a linguagem dos “últimos tempos” quando
falavam do período em que estavam vivendo, antes da queda de Jerusalém. Como
temos visto, o apóstolo João disse duas coias sobre este ponto: A primeira
delas, que o anticristo já havia chegado;
e a segundo, que a presença do anticristo
era prova de que ele e seus leitores estavam vivendo no “último tempo”. Em
uma de suas cartas anteriores, Paulo havia tentado corrigir uma impressão
errada concernente ao juízo vindouro sobre Israel. Os falsos mestres haviam
instado contra os crentes e dizendo-lhes que o dia do juízo já estava sobre
eles. Paulo lembrou aos cristãos o que já havia explicado antes: “Ninguém de
maneira alguma vos engane; porque não será assim sem que antes venha a
apostasia, e se manifeste o homem do pecado, o filho da perdição,” (2ª
Tessalonicenses 2.3 ACF)
Contudo, para o final da época,
enquanto João escrevia suas cartas, a grande apostasia – o espírito do
anticristo, que o Senhor havia predito – agora era uma realidade.
Judas, que escreveu um dos últimos
livros do Novo Testamento, não nos deixa dúvida alguma sobre este pondo de debate.
Pronunciando fortes condenações sobre os hereges que haviam invadido à igreja e
estavam tratando de desviar aos cristãos da fé ortodoxa (Judas 1-16), ele
lembra a seus leitores que eles haviam sido advertidos disto mesmo:
Vós,
porém, amados, lembrai-vos das palavras anteriormente proferidas pelos
apóstolos de nosso Senhor Jesus Cristo, os quais vos diziam: No último tempo,
haverá escarnecedores, andando segundo as suas ímpias paixões. São estes os que
promovem divisões, sensuais, que não têm o Espírito.
(Judas 1.17-19 ARA)
Claramente,
Judas considera que as advertências sobre os “bajuladores” se referem aos
hereges de sua própria época – querendo dizer que seu próprio dia era o período
do “último tempo”. Como João, Judas sabia que a rápida multiplicação dos falsos
irmãos era um sinal do fim. O anticristo já havia chegado, e agora era o último
tempo.
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